Nos últimos dois anos, nasceram em Portugal 22 crianças de barrigas de aluguer e foram registadas como portuguesas. Governo ajudou famílias a trazerem as gestantes de substituição para que pudessem, excecionalmente, aqui dar à luz.
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Ana e Pablo chegam a Kiev, na Ucrânia, daqui a alguns dias para poderem acompanhar o final de gravidez da jovem que aceitou ser a barriga de aluguer do seu primeiro filho que nasce em maio. O processo começou em 2019, através de uma agência espanhola, mas, quando parecia já estar tudo tratado, o casal foi "traído" pela pandemia e, depois, pela guerra.
Os embriões foram criados em fevereiro de 2021 e "congelados" em abril do mesmo ano. "No ano seguinte, começou a guerra e não havia forma de levar avante a gravidez de substituição. Foi terrível, sofremos tanto, trabalhamos tanto e o universo não nos deixava ter um filho", disse ao JN Ana, portuguesa, mais de 40 anos de idade.
"Somos pessoas de ciência, procuramos informação e percebemos que só desta forma podíamos ter um bebé, e foi tão difícil", frisou, enquanto segurava na mão um saco com mais um agasalho que comprou para levar para o bebé. Pablo, natural de Barcelona, parece mais calmo, mas foi ele o impulsionador da "criatividade financeira" a que recorreram para conseguir o dinheiro suficiente para pagar as despesas. "Alugamos quartos na nossa casa, demos explicações de Matemática e Biologia e vendemos muitas coisas que tínhamos", recorda Ana.
O casal é mais uma das famílias a quem a guerra alterou os planos de ter um filho. Vinte mulheres barrigas de aluguer que estavam grávidas no início da guerra vieram, com a ajuda do Governo português e das famílias dos bebés, dar à luz em hospitais nacionais. A decisão de retirar as grávidas da zona de conflito partiu das agências que agilizam os processos e dos pais que temiam pela segurança dos seus filhos.
Nos últimos dois anos, segundo o JN apurou, pelo menos 22 crianças nasceram em Portugal de mulheres ucranianas e foram registadas como filhas de casais portugueses.
Depois dos Estados Unidos, a Ucrânia é o país onde mais mulheres são pagas para fazer uma gravidez de substituição. De acordo com os números das agências que tratam das questões legais e médicas destes processos, até 2021 nasciam anualmente cerca de 2500 bebés de barrigas de aluguer. Um número que começou a diminuir na pandemia e caiu a pique no primeiro ano da guerra.
veem ecos e relatórios
De partida para Kiev, Ana e Pablo levam na bagagem uma pequena joia em ouro para a mulher por quem nutrem uma "gratidão eterna". "Falamos com ela por videochamada e recebemos as ecografias e os relatórios médicos", explica Ana. O casal sabe que a sua "grávida" tem filhos e vive com a família a cerca de 200 quilómetros da fronteira com a Polónia. "Queremos ajudá-la em tudo o que pudermos. É uma mulher muito culta e muito afável e eu tenho muitos abraços para lhe dar", finaliza.
Para a família espanhola e portuguesa do casal, o recurso a uma terceira pessoa para ter um filho foi "encarado com naturalidade". "Só falámos do assunto quando a gravidez já estava concretizada e está toda a gente muito contente mas preocupada por causa das bombas", refere a mãe. Em Barcelona, garante Pablo, há quem esteja a "acender velas até que o bebé esteja em Portugal".
Fronteira foi a sala de espera das famílias
Havia cerca de 100 gravidezes em curso quando guerra estalou
Durante os primeiros meses de guerra, a fronteira da Polónia com a Ucrânia foi a sala de espera para os casais portugueses que tinham em curso gestações de substituição no país atacado pela Rússia. Cerca de cem mulheres ucranianas tinham no ventre bebés filhos de famílias nacionais.
Com a ajuda do Ministério dos Negócios Estrangeiros, das embaixadas de Portugal na Ucrânia e na Polónia e de várias empresas intermediárias no processo de "barrigas de aluguer", os pais conseguiram retirar os recém-nascidos do cenário de guerra e muitas grávidas foram deslocadas para Portugal ou para outros países onde deram à luz. A maioria das mulheres terá optado por viajar até à fronteira e encontrar-se com as famílias.
Extraordinariamente, as empresas forneceram aos pais portugueses o contacto da gestante de substituição e, à gestante, o contacto dos pais para que, entre eles, agilizassem formas de se encontrarem e garantirem a entrega do bebé em segurança. Sem organismos estatais para proceder ao registo das crianças, a maioria dos bebés viajou com documentos provisórios emitidos pelas embaixadas e só válidos em contexto bélico.
Perguntas
Como se processa o recurso a uma gestação de substituição no estrangeiro?
De acordo com pais contactados pelo JN, é necessário procurar uma agência (o mais fácil é através da internet) que disponibilize este tipo de serviço no estrangeiro. A maioria dos países exige uma certidão de casamento e relatórios médicos que comprovem que a mãe não pode engravidar.
Quanto pode custar?
Dependendo do país onde se recorra à gestação de substituição, nunca menos de 50 mil euros por inseminação. Se uma inseminação não correr bem, terá que iniciar o processo e pagar novo valor. As viagens, a estadia, os transportes e outras despesas ficam sempre por conta dos pais. Todos os custos médicos durante a gravidez ficam por conta da empresa.
Este procedimento é legal?
Em muitos países, sim. É recomendável que seja elaborado um contrato entre os pais, a agência intermediária e a gestante. Deve ficar escrito que a gestante nega qualquer direito sobre o bebé.
Os casais homossexuais podem recorrer à gestação de substituição?
Há agências que têm essa possibilidade. Não é possível em todos os países e os preços também podem variar.