Primeiro contrato foi celebrado há quase cinco anos e alterações ao regime jurídico há um. Comissão nomeada pelo Governo entregou proposta em junho. Detalhes ainda por definir.
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A gestação de substituição continua por regulamentar em Portugal. A 15 de dezembro faz cinco anos que foi autorizado o primeiro contrato. E, no dia seguinte, passa um ano sobre a publicação das alterações ao seu regime jurídico, após o Tribunal Constitucional (TC) ter considerado algumas normas da lei de Procriação Medicamente Assistida (PMA) inconstitucionais.
Publicada a 16 de dezembro, a lei n.ºº90/2021, que altera o regime jurídico aplicável à gestação de substituição (vulgarmente conhecida por barriga de aluguer), definia um prazo de 30 dias para o Governo a regulamentar após a sua entrada em vigor a 1 de janeiro de 2022. Falhado o prazo, o Ministério da Saúde nomeou uma comissão de regulamentação que tinha até 30 de junho para apresentar uma proposta de anteprojeto. O que foi cumprido, não tendo sido divulgado o seu teor.
A proposta de anteprojeto de diploma, pedida a um grupo de peritos, foi entregue no final de junho. Mas falta ainda saber como será feita a regulamentação.
Falta de vontade política
Recentemente, revelou ao JN a presidente do Conselho Nacional da PMA (CNPMA), a tutela reuniu-se com a comissão para "inteirar-se" do dossiê. Que terá ainda de passar pela Assembleia da República. "Não há nenhum horizonte temporal para este assunto estar resolvido", diz a presidente do CNPMA. Sobre o tempo volvido, Carla Rodrigues admite duas hipóteses: "Ou é falta de vontade política ou de interesse por este assunto". Revelando a sua frustração por estar prestes a terminar um mandato de cinco anos, em fevereiro, sem que o dossiê fique fechado.
O juiz desembargador jubilado Eurico Reis, que na qualidade de presidente do CNPMA - cargo do qual se demitiu na sequência da decisão do TC - validou o primeiro contrato de gestação de substituição, é perentório ao afirmar, ao JN, que, "do ponto de vista institucional, há um direito reconhecido por lei que não pode ser exercido por falta de regulamentação. É gravíssimo". Afetando, vinca, "o regular funcionamento das instituições".
Aquando do acórdão do TC, recorda, tinham sido aprovados dois contratos: o primeiro avançou, "mas infelizmente não foi sucedido"; e o segundo não se iniciou. "Seria normal, razoável, que houvesse uma agilização destes procedimentos [legislativos]. Aparentemente, há quem não queira", diz Eurico Reis.
Também o presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução lamenta o arrastar do processo: "Antes de fevereiro de 2023, seguramente, não vamos ter regulamentação da lei. Perdeu-se muito tempo". Sobre a proposta entregue à tutela, "ainda não houve nenhuma decisão, são seis meses que foram perdidos", vinca Pedro Xavier. Num processo longo e, acima de tudo, "muito penoso para quem está à espera".
Arrependimento
A gestação de substituição foi já, por duas vezes, parar ao TC. A primeira, por iniciativa de deputados do CDS e do PSD, tendo o TC considerado, em 2018, inconstitucional a impossibilidade de a gestante não poder revogar o contrato até à entrega da criança (previa-se o arrependimento até ao início dos tratamentos). Depois, no ano seguinte, pelas mãos do presidente da República, após o decreto aprovado, em julho, no Parlamento, não salvaguardar o arrependimento.
A lei publicada no final de 2021, aprovada antes da dissolução da Assembleia da República, prevê que o arrependimento da gestante possa ocorrer até ao registo da criança, que tem de acontecer até 20 dias após nascer.
Levantando dúvidas ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) e à Ordem dos Psicólogos (OPP) nos pareceres que emitiram sobre uma primeira versão do anteprojeto. Que se prendem, alerta o CNECV, com "o estabelecimento da paternidade da criança, no caso de revogação do consentimento por parte da gestante de substituição". Porque, diz a OPP, "de acordo com o que está previsto, nesses casos, a criança terá apenas um progenitor, independentemente de a mulher gestante poder ter uma família constituída (como aliás se defende) ou de existir uma ligação genética com os beneficiários (como é obrigatório, pelo menos em relação a um deles)".
O JN questionou o Ministério da Saúde, mas não obteve resposta.
Quem pode recorrer?
Naquela que é a 8.ª alteração à lei que regula a PMA, a lei n.º 90/2021 define que a gestação de substituição, gratuita, aplica-se "nos casos de ausência de útero, de lesão ou de doença deste órgão". A gestante "deve ser, preferencialmente, uma mulher que já tenha sido mãe" .
Quantos pedidos?
Aquando do acórdão do Tribunal Constitucional, o CNPMA tinha autorizado dois contratos de gestação de substituição, tendo em análise outros sete pedidos. No primeiro contrato autorizado, a gestante de substituição era a mãe da beneficiária.