PSP e GNR com mais denúncias do que em todo o ano passado. Associações com pedidos de ajuda para alimentar e prestar cuidados de saúde. Há cães a deambular nas ruas com microchip.
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O número de animais abandonados tem subido "terrivelmente" desde o início do ano e é uma preocupação para os responsáveis de abrigos, que estão lotados. As denúncias recebidas pela GNR e pela PSP já superam os números totais de 2021. Até animais com microchip estão a ser abandonados e, quando confrontados, os donos tentam fugir às responsabilidades. A subida do custo de vida também está a levar as famílias a procurar ajudas de alimentação e de saúde para os seus cães e gatos.
Segundo dados cedidos ao JN pela GNR, até ao final de setembro foram reportados 385 casos de abandono, contra 358 no total do ano 2021, sendo a maior parte dos casos de cães. A PSP contabiliza 252 denúncias de abandono até novembro, contra 237 no total do ano 2021 (ver infografia).
Laurentina Pedroso, Provedora do Animal, acredita que a atual crise financeira poderá estar a ter impacto nos números de abandono, apesar de não haver estudos em Portugal sobre o tema. "Não é uma situação a descartar, uma vez que acontece em países que, do ponto de vista económico, até estão melhor do que nós. E quando nesses países isso começa a ocorrer, é muito provável que esta situação também venha a afetar Portugal", afirma ao JN.
Em Viseu, a responsável pelo Cantinho dos Animais Abandonados, Ana Vaz, afirma que o abandono "aumentou terrivelmente desde o início do ano. Nunca vimos nada como agora". A associação, que antes acolhia entre quatro e cinco animais por dia, recebe agora entre 12 e 30. "Não temos onde pôr os animais, não aceitamos mais", afiança.
O grupo de ajuda de animais de rua Uma Nova Esperança, na Maia, relata que até animais com microchip estão a ser abandonados e que denunciar o dono às autoridades nem sempre é solução (ler ao lado).
A associação Midas, em Matosinhos, reconhece que tanto o número de animais abandonados como as entregas por parte dos detentores "dispararam". Em resposta por escrito, a associação acrescenta que a "maioria dos pedidos que lhe chegam para resgatar animais de rua são, aparentemente, animais sem chip e abandonados há pouco tempo".
Em Lisboa, a União Zoófila diz que este aumento já se faz sentir desde o ano passado. "Os registos dos centros de recolha oficiais apontam para um aumento de 30%", sem incluir os dados das associações.
vítimas de despejos
Na União Zoófila, caem diariamente apelos para acolher animais domésticos através dos próprios donos. Seja porque as pessoas deixaram de conseguir pagar as rendas e foram desalojadas, seja porque não conseguem pagar tratamentos e cuidados de saúde e pedem apoio veterinário. A União Zoófila aponta o "disparar da inflação e o contexto de rendas superinflacionadas no distrito de Lisboa".
Pela ronda que o JN fez por várias associações do país, verifica-se que são vários os motivos que estão a levar as famílias a procurar ajuda. Mas o principal é a falta de capacidade económica, revela ao JN, por escrito, fonte da Animalife, que se dedica à sensibilização e apoio social e ambiental. "Só no mês de outubro, recebemos perto de 300 pedidos de ajuda, a maioria relacionados com alimentação ou com apoio a cuidados médico-veterinários básicos", afirma, apontando à situação económica que o país e o Mundo atravessam. E as perspetivas não são as melhores: "Receamos que esses pedidos venham a aumentar nos próximos meses".
O Cantinho dos Animais Abandonados aponta ainda o dedo à desumanidade de alguns donos de animais, opinião partilhada por Ricardo Lobo, da Associação Nacional dos Médicos Veterinários dos Municípios. "O problema de fundo é o da responsabilidade na detenção: a maioria dos detentores não tem condições para ter um animal de companhia", afirma.
A Associação Cão Viver, na Maia, revelou ao JN que muitas das devoluções e entregas de animais que lhes chegam são devido a "gravidez, mudança de casa ou porque o animal cresceu mais do que os donos estavam à espera ou ainda porque faz muitas asneiras e estraga coisas em casa".
"Há pessoas que dizem que não podem ficar com os animais porque vão mudar de casa. Porque é que não procuram uma casa em que possam ter o animal? A maioria das pessoas vê os animais como um objeto", sublinha Paula Costa, responsável da Associação Projeto Java.
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Maus-tratos
Até ao final de setembro a GNR registou 545 denúncias por maus-tratos, sendo que em 2021 foram 649. Os dados da PSP revelam que até novembro registaram-se 477 situações (em todo o anos 2021 foram contabilizadas 493).
Lei declarada inconstitucional
A lei que em 2014 tornou crime os maus tratos a animais foi declarada pela quarta vez inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, alegando que a punição criminal não está inscrita na Constituição. Um grupo de 47 juristas e advogados assinou um manifesto no qual critica estas decisões.
Animais na Constituição
O PAN quer que a proteção animal passe a ser uma tarefa fundamental do Estado. PS e BE propõem que a Constituição preveja a garantia do bem-estar animal.