O concurso para contratar 1067 funcionários para todas as escolas do país, anunciado pelo Ministério da Educação há quase um ano, foi insuficiente para responder às necessidades de vários estabelecimentos de ensino.
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Em muitos casos, o procedimento serviu para regularizar a situação de funcionários que já estavam nas escolas, mas em situação precária, passando a efetivos. Ou seja, não houve, de facto, qualquer reforço.
"Não se sabe quantos dos 1067 profissionais já trabalhavam nas escolas e só viram o seu vínculo melhorado", admite Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP).
Das bolsas de recrutamento (dependentes da conclusão deste concurso), que permitem substituir funcionários de baixa prolongada, muitas já esgotaram, deixando os diretores das escolas sem alternativa.
O Ministério da Educação garante que nos últimos dois meses foram colocados 400 assistentes operacionais através desta bolsa. No total, a medida permitiu preencher mil vagas, disse a tutela, que não especificou qual o número de reforços efetivos com o concurso.
Ao JN, o Ministério adiantou que a portaria que define os rácios de funcionários por escola está a ser revista, devendo ficar pronta nos próximos meses, com "especial enfoque" aos alunos com necessidades educativas especiais. Neste âmbito, também a bolsa de recrutamento "sofrerá modificações para melhorar as condições de acesso", num trabalho que está a ser feito "em articulação com os atores da educação".
Os diretores contactados pelo JN continuam a apontar responsabilidades à tutela, revelando que muitas escolas estão a funcionar "abaixo do rácio" e consideram que as medidas ficaram aquém do esperado.
O Ministério recorda que já em 2017 tinha revisto em alta a portaria dos rácios, possibilitando o reforço de mais 2000 funcionários.
Porto
"Uma assistente não vai resolver"
Na Escola Eugénio de Andrade, no Porto, estabelecimento de referência na educação bilingue dos alunos surdos, ainda se aguarda a conclusão do concurso que atribuiu à escola uma funcionária a tempo inteiro. O acesso à bolsa de recrutamento só é possível após o término do procedimento.
Entretanto, para cobrir as horas dos profissionais de baixa, foram contratadas seis tarefeiras. Mas quatro terminaram o contrato há duas semanas, esclarece ao JN fonte da escola.
Com 400 alunos, 70 dos quais com necessidades educativas especiais, o estabelecimento deveria ter 13 funcionários, mas "alguns" estão de atestado médico. "Uma assistente a mais não vai resolver o problema. Quando muito, minimiza", afirma a mesma fonte.
O Ministério assegura que a revisão da portaria de rácios deverá atribuir mais peso aos alunos com necessidades educativas. Por agora, cada criança do ensino especial conta mais 0,5 no cálculo do que um aluno do ensino regular.
Jorge Ascenção, líder da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), tece críticas à bolsa de contratação. "Funciona para as necessidades a tempo certo e a muito curto prazo. Mas convidar alguém para uma função e dizer-lhe que vai durar um mês e para ganhar o que ganham não é atrativo", alerta, salientando as más condições de trabalho e os perfis dos candidatos que, muitas vezes, "não são os mais indicados". Ou seja, ao número de baixas soma-se a falta de atratividade dos lugares que são oferecidos para substituir esses funcionários.
Gaia
À espera de sete funcionários
Em Gaia, na Escola Secundária Almeida Garrett, o concurso e a bolsa de recrutamento pouco ou nada resolveram. A secundária deveria ter, de acordo com o rácio, 25 funcionários, mas, ao serviço, garante o diretor Paulo Mota, só estão 18.
Como a escola não conseguiu contratar uma empresa de limpeza "devido ao baixo valor atribuído pelo Ministério", os 25 funcionários voltam a ser necessários.
Na "Almeida Garrett", apenas um assistente operacional foi contratado através do concurso e três com recurso à bolsa. Há também seis tarefeiros a trabalhar a tempo parcial para colmatar ausências. Mas não é suficiente.
Aveiro
Contratos só alteram o vínculo
Nas quatro escolas do Agrupamento de Estarreja, em Aveiro, trabalham 44 funcionários. "No último ano, não houve um dia em que estivessem todos a trabalhar", afirma o diretor Nuno Mantas. Com o concurso público, foi possível contratar a tempo inteiro 26 funcionários. Mas todos eles já trabalhavam no agrupamento a tempo parcial.
Depois do concurso, Nuno Mantas pôde começar a substituir os assistentes ausentes através da bolsa de recrutamento. "No início tínhamos uma lista de 15 candidatos. Conseguimos contratar três para substituir quatro ou cinco, que ainda estão de baixa", refere o diretor, apontando a dificuldade em encontrar substituições que cubram o tempo total das ausências.
O mais difícil, assegura Nuno Mantas, são as ausências por uma ou duas semanas. "As substituições têm de passar por uma série de despachos, que muitas vezes demoram os 15 dias da baixa em questão. Não é possível", justifica, acrescentando que o quadro de pessoal está a ficar cada vez mais envelhecido.
Nuno Mantas refere ainda que nos concursos por horas, lançados pela Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE), o tempo atribuído aos contratos é "insuficiente". "O que acontece é que uma pessoa que trabalha sete horas é substituída por alguém que só trabalha três horas e meia", refere, garantindo não conseguir preencher a vaga de pessoas doentes que estão constantemente a renovar os atestados.
"Há sempre alguém que falha. E com um atestado apresentado para 15 dias, que esteja sempre a ser renovado, não consigo substituir. Só se for superior ou igual a um mês", lamenta.
Lisboa
"Blocos de aulas sem vigilância"
No Agrupamento de Escolas Virgílio Ferreira, em Lisboa, contam-se 89 funcionários para um universo de quatro mil alunos, sendo que 10 estão de baixa: seis são ausências prolongadas e quatro são relativas a acidentes em serviço.
No concurso para as 1067 vagas, a escola recebeu duas assistentes operacionais e, através da bolsa, a Direção conseguiu contratar 10, não especificando se a tempo inteiro ou parcial.
A subdiretora do agrupamento, Luísa Santos, esclarece que, diariamente, "há blocos de aulas sem vigilância durante algum período de tempo e o acompanhamento aos alunos com necessidades educativas é menor, ficando muitas vezes todo esse trabalho a cargo do professor, quando deveria ser partilhado com o assistente operacional".
A par destas falhas, Luísa Santos aponta ainda a "falta de vigilância nos espaços exteriores e nos recreios das escolas de 1.o Ciclo", acrescentando que "a limpeza de escolas de um agrupamento com cerca de 4000 alunos é muito superficial". "Temos cinco ou seis funcionários que já não estão de baixa, mas só podem fazer serviços moderados", insiste.
O número de baixas no setor é algo que preocupa, de igual forma, a CONFAP. "A falta de assistentes operacionais nas escolas acontece por motivos de baixa. E temos de perceber porque é que tantos recorrem a essa alternativa", alertou Jorge Ascenção, revelando que, dos diretores com quem a associação tem falado ultimamente, "quase todos se queixam do mesmo".
Para o líder da CONFAP, a carência de assistentes operacionais não decorre exclusivamente do cálculo de rácios, até porque, supõe Jorge Ascenção, essa é uma questão que "esbarra com o Orçamento do Estado".