Norte regista todos os sintomas de cada paciente e Lisboa faz a análise por doente. Reguladora pede uniformização dos dados.
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Reina a confusão nos registos de problemas de saúde mental nos centros de saúde. Na região Norte, contabilizam-se todos os sintomas ou conjuntos de sintomas de cada doente, em Lisboa e Vale do Tejo, somam-se os doentes com pelo menos um sintoma e, do Algarve, não há dados. Resultado: no último relatório da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) sobre acesso a cuidados de saúde mental nos cuidados primários, não há análise possível sobre a prevalência das perturbações mentais nos utentes dos centros de saúde.
Perante a confusão, a ERS emitiu uma recomendação à Direção Executiva do SNS, à Administração Central do Sistema de Saúde e aos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde para se uniformizarem as regras de registo, extração e controlo dos dados sobre cuidados de saúde mental. O relatório da Reguladora, publicado recentemente, indicava que o Norte tem 2,2 milhões de utentes (adultos e crianças) com perturbações mentais e Lisboa e Vale do Tejo cerca de 800 mil.
Após questões do JN, o documento foi corrigido e atualizado no site. Segundo a retificação da ERS, os números respeitam a diagnósticos de perturbação mental e não a utentes. No entanto, a correção também não está bem, como se percebe pela resposta, enviada ao JN, pela Coordenação Nacional da Saúde Mental.
"Os resultados apresentados nas tabelas não se referem a diagnósticos de perturbações mentais. Referem-se apenas a sintomas ou agrupamentos de sintomas", explica Miguel Xavier, coordenador nacional de Saúde Mental, adiantando que, "por esse motivo, não se podem extrair estimativas para a prevalência das perturbações mentais" na região Norte.
O coordenador nacional e o coordenador regional, Pedro Morgado, afirmam que as tabelas do relatório da ERS "estão mal construídas" e que, tanto no Norte como em Lisboa e Vale do Tejo, há "uma sobre-estimação da verdadeira prevalência de pessoas com perturbações mentais, tal como é constatável a partir dos dados de prevalência do inquérito nacional de morbilidade psiquiátrica".
Dados Não são comparáveis
Embora se congratule com a atenção da ERS à temática, a Coordenação Nacional da Saúde Mental explica que "a agregação dos dados é feita de forma diferente na ARS Norte e na ARS Lisboa e Vale do Tejo" e, portanto, não pode ser comparável. No caso da ARS Norte, "é quantificada a soma de sintomas apresentados pelos diferentes utentes, enquanto na ARS Lisboa e Vale do Tejo é quantificada a soma de pessoas com, pelo menos, um sintoma", refere Miguel Xavier.
O mesmo relatório da ERS apresenta o número de adultos e crianças com diagnóstico de depressão/ansiedade nos centros de saúde. Em 2020, havia 1,47 milhões de utentes com aquele diagnóstico, mais 2,5% face a 2019. Lisboa e Vale do Tejo somava cerca de 630 mil casos e a do Norte 423 mil. Não obstante, naquele período, as consultas de psicologia e de saúde mental diminuíram 14%, o que, conclui a Reguladora, "poderá representar dificuldades no acesso dos doentes a cuidados de saúde adequados".
Mais conclusões
Referenciações caem
O número de pessoas referenciadas dos centros de saúde para hospitais com suspeita de problemas mentais caiu 30% em 2020 face a 2019. A quebra deveu-se ao impacto da pandemia nos cuidados de saúde, designadamente à reafetação de recursos físicos e humanos para tratamento de doentes com covid-19, salienta o estudo da Reguladora.
Menos 9 mil adultos
Segundo a ERS, o número de adultos referenciados pelos centros de saúde para os hospitais diminuiu de 28 378 para 19 760, entre 2019 e 2020. Nas crianças e adolescentes, também houve uma redução das referenciações: passaram de 6210 para 4397 no mesmo período.
Rede incompleta
A proposta de Rede de Referenciação Hospitalar de Psiquiatria e Saúde Mental não está disponível na versão completa, avisa a ERS, considerando que tal pode comprometer o funcionamento em rede do sistema.
Faltam recursos
Em 2020, Portugal tinham 354 psicólogos e cinco psiquiatras nos cuidados primários. Refira-se que o Norte tem o maior número de psicólogos (184) e que o Centro concentra todos os psiquiatras.
Longe do rácio ideal
Todas as regiões estão longe do rácio de um psicólogo por cinco mil habitantes, defendido em resolução do Parlamento em 2021.
Saber mais
23% dos adultos portugueses apresentam sintomas de problemas psicológicos, o valor mais elevado da OCDE em 2020. Na União Europeia, a média é de 11%.