Um congresso extraordinário da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) é uma hipótese que está em cima da mesa para discutir o processo de descentralização que levou o Porto a sair da associação e outros municípios a seguir a mesma via. A convocatória será proposta pelo presidente dos Autarcas Sociais Democratas (ASD), no Conselho Diretivo de segunda-feira. Hélder Sousa e Silva adiantou ao JN que já falou com Luísa Salgueiro e que "a presidente ficou de ponderar". Há autarcas, como o socialista Rui Santos, "vice" da ANMP, para quem isso "não faz sentido".
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Hélder Sousa e Silva, presidente dos ASD e da Câmara de Mafra, comentou a decisão do Porto de sair da ANMP, já aprovada pela Assembleia Municipal, que deverá agora ser seguida por outros municípios, como admitiram já os autarcas da Trofa, Póvoa, Coimbra e Pinhel. Uma decisão que a presidente da associação, Luísa Salgueiro, não quis ainda comentar.
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O autarca social-democrata referiu ao JN que a sua posição "é de compreensão em relação à insatisfação do Porto e de todas as autarquias em relação à descentralização".
"É altamente lesiva para os interesses dos municípios em todas as áreas e, em particular, na área da Educação. Não aplaudimos, mas entendemos que o PSD/Porto se tenha associado [à decisão de Rui Moreira]. O PSD é um partido responsável e percebe as dificuldades que o Porto enfrenta para acomodar a descentralização", justificou o líder dos ASD.
"Aos nossos autarcas, dizemos que a situação motiva reflexão profunda e deve ser feita no seio da ANMP através de um congresso extraordinário, que passamos a defender. O Governo ignorou que há municípios que caminham para a falência financeira", prosseguiu o autarca de Mafra, contando que já falou com a presidente Luísa Salgueiro sobre a proposta de convocatória daquele congresso extraordinário e que vai apresentá-la na reunião do Conselho Diretivo da ANMP. "A presidente ficou de ponderar. A ANMP pode e deve fazer mais, mas o nosso foco não é destruir a associação. O nosso foco é o Governo", assegurou ainda.
Rui Santos critica "portocentrismo"
Por sua vez, o socialista Rui Santos, autarca de Vila Real que é vice-presidente da ANMP, comenta que "os centralistas devem estar felicíssimos [com a decisão do Porto], porque a estratégia deles é sempre dividir para reinar".
"Como é que um político tão experiente, tão capaz e tão conhecedor como Rui Moreira caiu nesta ratoeira? Julga que o Estado Central pode negociar, individualmente, com todos os municípios ou quer um tratamento discriminatório do Porto face às restantes câmaras", reagiu Rui Santos, ao JN. E acrescentou que "muitos autarcas do Interior e do Norte começam a pensar se vale a pena trocar o centralismo de Lisboa pelo portocentrismo. Quando não é o Porto a tomar a batuta do processo, isola-se". Segundo o autarca de Vila Real, "foi o que sucedeu, também, na constituição das Águas do Norte".
"PSD tenta capturar Câmara do Porto"
Quanto à realização de um congresso extraordinário, Rui Santos entende que não faz sentido. "Não se justificam reuniões de última hora. O congresso realizou-se há seis meses em Aveiro. As decisões da ANMP são tomadas por unanimidade. Houve um acordo do PS e do PSD para que esta transferência de competências tivesse neutralidade orçamental", recordou o autarca. Agora, "o que parece haver é uma alteração de posição do PSD, que tenta capturar a Câmara do Porto, esperando um retorno do apoio do movimento do Rui Moreira ao PSD numa ocasião próxima".
Já o presidente da Câmara de Viseu, Fernando Ruas, garantiu que "nunca proporia" a saída do seu concelho da ANMP e considerou que aqueles que estão descontentes devem suscitar a realização de um congresso extraordinário.
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"Solução não é sair"
Carlos Carreiras, presidente da Câmara de Cascais, crê que "Rui Moreira tem toda a razão em tudo o que diz". "E as razões que evoca agora já existiam há sete anos quando fui presidente do Conselho Geral da ANMP e fiquei sozinho nessa reivindicação", mas "a solução não é sair", defendeu em declarações ao JN.
O autarca de Cascais defende, no seio da ANMP, a criação de grupos de municípios de grande dimensão, de média dimensão e de pequena dimensão para discutir a descentralização.
"Não é igual uma câmara com 214 mil habitantes e uma câmara com 14 mil habitantes. Sou defensor da criação de grupos específicos dentro da ANMP. Temos um primeiro-ministro, um presidente da República e até um ministro das Finanças favoráveis à descentralização, por isso, não vejo razões, com a maioria do PS, para não se avançar com a descentralização em moldes diferentes do que está a avançar", argumentou o social-democrata.
A seu ver, "primeiro, deveríamos decidir qual é a percentagem dos recursos do Estado Central que queremos descentralizar e quais as áreas que essa percentagem poderia comportar". Carlos Carreiras não vê "razões para que o PS e o PSD, partidos importantes no Poder Local, não façam uma negociação a sério e não uma simulação", como sucedeu sob a liderança de Rui Rio.
Decisão do Porto "enfraquece a ANMP"
Quem também comentou a saída do Porto da ANMP foi Miguel Alves, presidente do Conselho Regional do Norte e da Câmara de Caminha, que criticou o "golpe". "Conheço muito bem Rui Moreira", começou por reagir, dizendo tratar-se de "um autarca de muito talento".
"Percebo que há problemas e descontentamento em relação à descentralização, que tem de ser vitaminada com mais recursos. Não posso compreender que se atue no curto prazo com um golpe como este. A decisão do Porto enfraquece a ANMP, mas também enfraquece o Porto", comentou o autarca de Caminha.
A associação, avisa Miguel Alves, "ficará menos forte se não tiver todos os municípios a seu lado para reivindicar soluções conjuntas". "Alguém imagina que o Governo vá aplicar critérios diferentes consoante a dimensão dos municípios? Não me parece. A ANMP tem que ter todos na sua diversidade. Espero que esta decisão venha a ser revertida, não haja um efeito de imitação e se estanque as saídas. Devíamos dar a Luísa Salgueiro uma oportunidade para fazer o seu caminho", defendeu ainda, em declarações ao JN.
O autarca Hernâni Dias, disse, por sua vez, que não partilha "da mesma opinião" de Rui Moreira "porque a Câmara de Bragança não está obviamente com vontade de sair". E pediu mais trabalho para alcançar um acordo sobre a transferência de competências.
Pinhel também quer sair
Por sua vez, o presidente da Câmara de Pinhel, Rui Ventura, adiantou que este município também "admite sair" da ANMP. "Não é a questão do exemplo do autarca do Porto", ressalvou o autarca social-democrata à Lusa, notando que "admite sair tendo em conta que, ao longo dos anos, a ANMP não tem defendido os interesses quer dos autarcas, quer da própria Câmara Municipal, no que diz respeito às competências".
Coimbra fala de "espelho da insatisfação"
Já o presidente da Câmara de Coimbra reforçou que compreende a saída do Porto e defendeu que a forma como a ANMP tem gerido a descentralização exige um "intenso debate".
"É uma atitude corajosa que põe o problema da representatividade dos municípios junto do Governo em cima da mesa e é fruto já de um desencanto de nove anos do presidente Rui Moreira relativamente à ANMP, que me parece um desencanto fundamentado", afirmou o presidente da Câmara de Coimbra, José Manuel Silva.
O presidente da Câmara da Póvoa de Varzim, Aires Pereira, que também admite deixar a ANMP, considerou que há um "movimento de contestação crescente" à associação que poderá "colocar em causa" o seu propósito. A decisão tomada pelo Porto é, a seu ver, "um espelho da insatisfação dos municípios".
Trofa já iniciou procedimentos para sair
O autarca da Trofa, Sérgio Humberto, que já havia adiantado ao JN que irá propor em junho a saída da ANMP, sublinhou, por sua vez, que já está "a encetar os procedimentos" nesse sentido. "A Trofa está seriamente a pensar e a começar a encetar os procedimentos para também sair da ANMP", garantiu.
Na sua opinião, a ANMP "é uma claque do Governo" que "não defende os seus associados". Sérgio Humberto discorda, entretanto, de quem considera que a saída do Porto fragiliza o seu papel na descentralização de competências em curso.
Pelo contrário, o presidente da Área Metropolitana do Porto afirmou que "ninguém ganha" com a saída do Porto e que, sozinho, nenhum município consegue negociar de "forma suficientemente forte" com o Governo. "Ninguém ganha com isto, isso parece-me evidente", defendeu Eduardo Vítor Rodrigues.