Deixar de fumar exige muitas vezes o apoio de profissionais, mas essa resposta no Serviço Nacional de Saúde (SNS) piorou significativamente nos últimos anos. As consultas de cessação tabágica nos centros de saúde e hospitais públicos caíram a pique durante a pandemia. Houve alguma recuperação no ano passado, mas ainda longe do que se fazia antes da covid-19, que também já não chegava para as necessidades.
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Entre 2019 e 2022, fecharam mais de 80 espaços de consulta, a maioria nos cuidados primários, e realizaram-se menos nove mil atendimentos aos utentes. O Ministério da Saúde garante que reduzir o tabagismo é uma prioridade e promete alargar os espaços de consulta ainda este ano.
Numa altura em que o Governo aprovou uma proposta de lei para introduzir mudanças na Lei do Tabaco, restringindo os locais de venda e os espaços onde é permitido fumar, são muitas as vozes, da área da saúde mas não só, que alertam para a necessidade de apostar mais na prevenção e no apoio a quem quer deixar de fumar. Por ora, os números deixam um retrato pouco animador.
"No final de 2022, havia 152 locais de consulta em funcionamento no SNS, um incremento de 35% face a 2021, estando previsto o alargamento dos locais de consulta a mais ACeS [agrupamentos de centros de saúde] e hospitais ainda durante este ano", avançou, ao JN, o Ministério da Saúde.
Impacto na procura e resposta
A tutela realça o aumento dos gabinetes de consulta face a 2021, mas, comparativamente com 2019, a redução foi expressiva. Naquele ano, segundo o relatório de 2020 do Programa Nacional de Controlo do Tabagismo da Direção-Geral da Saúde, havia 235 locais de consulta de apoio intensivo à cessação tabágica, dos quais 176 nos ACeS e unidades locais de saúde e 39 nos hospitais. O primeiro estrangulamento ocorreu em 2020, com uma redução para 152 espaços de consulta (114 nos ACeS e 38 nos hospitais) e o segundo, em 2021, para 113 locais de consulta.
A diminuição dos locais de consulta resultou numa quebra dos atendimentos. Segundo dados enviados ao JN pelo Ministério da Saúde, em 2022 foram feitas 32 817 consultas de apoio intensivo à cessação tabágica, mais 35% do que em 2021, ano que registou o número mais baixo desde 2017 (24 302 consultas). Comparando com 2019 (41 946), no ano passado houve menos 9129 consultas. O ano em que os utentes tiveram mais acesso e acompanhamento para deixar de fumar foi em 2018, que somou 44 138 atendimentos nos centros de saúde e hospitais.
O Ministério da Saúde reconhece que os primeiros dois anos da covid-19 "impactaram a procura e a capacidade de resposta destes serviços". Mas salienta que "durante a pandemia foram iniciadas consultas à distância nesta área, que permitem complementar os atendimentos presenciais e chegar a novos utentes".
Quebra afetou também ações de prevenção
Ao nível da prevenção, a pandemia também teve um efeito crítico: em 2020, houve apenas 54 iniciativas de prevenção do tabagismo abrangendo cerca de 15 mil pessoas. Em 2019, registaram-se 262 iniciativas que abrangeram 192 mil pessoas, revela o relatório do programa de controlo do tabagismo da Direção-Geral da Saúde.
Não há medicamentos comparticipados
Além da falta de consultas, os utentes que querem deixar de fumar deparam-se com outro problema: o único medicamento usado como terapêutica de substituição à dependência da nicotina com comparticipação do SNS saiu do mercado em setembro de 2021. A farmacêutica produtora (Pfizer) ordenou a retirada do Champix por conter na sua composição nitrosaminas, um composto com potencial cancerígeno. Desde então e até à data, o SNS não voltou a comparticipar nenhum medicamento substituto do Champix.
Recorde de vendas nas farmácias
Em 2020 foram vendidas mais de 522 mil embalagens de medicamentos para deixar de fumar, o maior volume desde 2015, segundo o relatório da DGS. Entre as vendas, consta a vareniclina (Champix) que, naquele ano, vendeu quase 48 mil embalagens.