Até final de abril, foram vendidos mais de 2,7 milhões de cigarros, um acréscimo de quase 20% face ao mesmo período de 2021. Especialistas defendem que só preço pode ser dissuasor.
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Os portugueses estão a fumar mais este ano do que fumaram no arranque do ano passado. As sucessivas subidas do imposto sobre o tabaco (IT) não parecem dissuadir os consumidores, tendo-se registado um aumento de 19,59% de cigarros consumidos entre janeiro e abril de 2022 face a igual período de 2021. O Governo prevê que, em 2022, face ao aumento de 1%, o IT renda 1433 milhões de euros, mais 20 milhões do que em 2021. O JN falou com dois especialistas em doenças pulmonares no dia em que se cumprem seis anos desde que foram introduzidas as imagens explícitas nos maços de tabaco. Ambos consideram que o recurso às fotografias não chega, por si só, para reduzir o consumo. E, em linha com o que defende a DGS, referem que a chave é continuar a fazer subir os preços.
sobe mas abaixo de 2019
Segundo dados da Autoridade Tributária (AT), esta é a primeira vez que o número de cigarros consumidos entre janeiro e abril no continente aumenta desde o início da pandemia. Depois de uma subida de 31,1% no período homólogo de 2018 para 2019, deu-se uma descida de 20% entre 2019 e 2020. Dos quatro primeiros meses de 2020 para igual período de 2021 registou-se nova quebra, dessa vez de 9,7%.
Até ao final de abril de 2022 foram consumidos 2 678 276 460 cigarros, contra os 2 239 605 300 do período homólogo de 2021 (mais 19,59%). Ainda assim, e apesar da subida, o número situa-se 13,7% abaixo do verificado em 2019, antes da chegada da covid-19.
Mas não é só nos cigarros que o consumo está a aumentar este ano: nas cigarrilhas, até abril, a subida foi de 55,2% e, no tabaco de corte fino, de 41,65%. Nos charutos o aumento foi de 7,86% e, no tabaco para cachimbo de água, de 5,54%.
No que toca ao balanço dos anos completos, de 2018 para 2019 houve um aumento de 3,98% do número de cigarros vendidos. Em 2020 e em 2021, registaram-se quebras (3,1% e 1,1%, respetivamente), uma descida que os primeiros meses de 2022 parecem estar a anular.
DGS quer subir preços
Ao JN, Sofia Ravara, coordenadora da Comissão de Tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, afirma que o aumento do preço do tabaco "é, sem dúvida, a medida isolada mais eficaz para diminuir o consumo". A especialista defende que o encarecimento deve ocorrer anualmente "e a um ritmo que acompanhe e até ultrapasse a inflação". Terá ainda de se estender a todos os produtos de tabaco, para não permitir "escapes" aos fumadores.
António Araújo, diretor do serviço de Oncologia Médica do Centro Hospitalar Universitário do Porto, concorda que a variável preço é "a que está comprovadamente ligada à descida do consumo". Tal como Sofia Ravara, o também fundador da associação Pulmonale afirma que o aumento do custo é especialmente eficaz na dissuasão dos jovens, embora também "desmotive" os adultos.
No mais recente relatório do Programa Nacional para a Prevenção e Controlo do Tabagismo, de 2020, a DGS também defende a subida dos impostos do tabaco. O documento cita a Organização Mundial de Saúde para concluir que essa é a via "mais eficaz na redução do consumo, devendo fazer parte de uma abordagem global de prevenção e controlo do tabagismo". O JN tentou contactar a DGS e a responsável pelo programa, mas não obteve resposta.
Eletrónicos
Novos produtos "transmitiram ideia" de que não fazem mal
António Araújo refere que tem havido um "número apreciável" de pessoas a experimentar novos produtos de tabaco, como cigarros eletrónicos. Para o especialista, essa migração deve-se ao facto de as empresas em causa "terem conseguido transmitir a ideia" de que os seus produtos são mais seguros do que o tabaco normal. A estratégia tem passado por criar uma distanciação face aos cigarros clássicos: em 2021, a World Vapers" Alliance (associação de tabaco vaporizado) lançou uma campanha mundial sob o tema "Apoio do Cigarro Eletrónico para Vencer o Tabagismo", cujo objetivo é ajudar a "delinear políticas internacionais de saúde pública e salvar 200 milhões de vidas em todo o mundo". Em fevereiro, a portuguesa Aporvap pediu menos carga fiscal sobre os vaporizadores, considerando que estes "desempenham um papel vital na cessação tabágica". Sofia Ravara é contra a diferenciação de taxas, uma vez que isso levaria os consumidores a serem tentados por essas alternativas.
Imagens chocantes
Fotos maiores
Em 2016, a Comissão Europeia decidiu que as embalagens de tabaco teriam de passar a incluir fotos chocantes dos efeitos provocados pelo fumo. Sofia Ravara considera-as úteis, mas defende que deveriam ocupar 80% do pacote (em Portugal ocupam 65%) e que, tal como noutros países, não deveria haver logótipo da marca. O facto de as fotos europeias serem "estilizadas" também as faz ter "menor impacto emocional" do que as de outros países, defende.
"É como na guerra"
António Araújo afirma que as fotos são boas enquanto "alerta", mas têm efeito limitado na prevenção. "É um pouco como na guerra: ao vermos aquelas imagens, infelizmente vamo-nos habituando à sua presença", afirma.
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1433
É o valor, em milhões de euros, que o Governo prevê arrecadar com o imposto sobre o tabaco em 2022. São mais 20 milhões do que em 2021.
4,71
A Imperial Brands estima que seja este o preço médio de um maço em 2022. Em 2021 era de 4,64 euros.
4 medidas-chave
Para Sofia Ravara, há quatro medidas-chave para combater o tabagismo: aumentar impostos "para todos os produtos de tabaco", promover espaços públicos livres de fumo, advertências sanitárias e educação do público através de campanhas nos média.
Impacto por apurar
Sofia Ravara sublinha que, por enquanto, os estudos não permitem concluir de forma clara de que forma a pandemia influenciou o consumo de tabaco. No entanto, acredita que, passada a fase mais crítica da covid-19, o regresso do turismo e da socialização possa fazer aumentar o consumo. Já António Araújo diz não ter "grandes dúvidas" de que o vírus levou a um aumento da "insegurança, preocupação e isolamento" das pessoas. Como tal, a subida do consumo não o surpreende.