Acusação do Ministério Público provocou a demissão do seu secretário de Estado adjunto. Primeiro-ministro sabia que Miguel Alves era arguido.
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Acusado pelo Ministério Público (MP) de um crime de prevaricação enquanto presidente da Câmara de Caminha, Miguel Alves não teve alternativa senão demitir-se, na quinta-feira, do cargo de secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, que propôs de imediato a exoneração, confirmada pelo presidente da República. António Costa disse que "ninguém está acima da lei". E "é fundamental que os cidadãos saibam" que, se "cometer alguma ilegalidade, não é por ser primeiro-ministro que as autoridades estão impedidas de apurar a situação".
Na carta de demissão, Miguel Alves - que apenas ocupava o cargo desde 16 de setembro, há 56 dias - diz estar de "consciência tranquila" e "muito empenhado" em defender a sua honra. Após ter pedido uma audição parlamentar, a Oposição insiste que sejam prestados todos os esclarecimentos.
O ex-autarca de Caminha deixa o Governo menos de dois meses após ser nomeado e duas semanas depois de ter rebentado a primeira polémica devido ao adiantamento de 300 mil euros em rendas para construção de um centro de exposições transfronteiriço. Mas é o caso de prevaricação que o afasta pelo alegado favorecimento da empresa de Manuela Couto, que está a ser investigada (ler página seguinte).
No dia em que foi noticiada a acusação, apresentou a demissão numa carta a Costa em que diz desconhecer o teor. "Face à acusação deduzida pelo MP, e mesmo não tendo conhecimento dos termos e pressupostos, entendo não estarem reunidas as condições que permitam a minha permanência no Governo", escreveu. Costa promete que vai "oportunamente" propor outro nome ao presidente.
Procuradora confirmou
O primeiro-ministro, que admitiu saber que o seu secretário de Estado era arguido, explicou, à entrada para a reunião da Comissão Política do PS, que, face à notícia do "Observador", Miguel Alves falou com ele e lhe disse que não tinha sido notificado, nem o seu advogado.
Costa sugeriu pedir à ministra da Justiça para confirmar a acusação junto da procuradora-geral da República. E assim fez. O chefe do Executivo disse ainda que "ninguém está acima da lei. O MP tem de investigar o que tem a investigar e inquirir quem tem a inquirir. E Miguel Alves tem direito à presunção de inocência e a defender-se". Deu inclusive o seu exemplo: "Também já fui arguido, mas felizmente esses casos foram arquivados. Ser arguido é diferente de ser culpado".
"Miguel Alves entendeu, e eu percebo-o bem, que, passando a haver uma situação de acusação, devia sair do Governo e exercer o seu direito de defesa. Quero dar-lhe um abraço e desejar-lhe felicidades", acrescentou, deixando farpas à Justiça: "Há formas legais e normais de se relacionar com os cidadãos. Mesmo quando são secretários de Estado, costumam ser notificados".
"Estou de consciência tranquila, absolutamente convicto da legalidade de todas as decisões que tomei ao serviço da população de Caminha e muito empenhado em defender a minha honra no local e tempo próprio da Justiça", escreveu o ex-autarca.
Críticas também vinham do PS
A presença de Miguel Alves no Governo já era difícil para Costa antes de ser conhecida a acusação. Escolhido para trabalhar diretamente com o primeiro-ministro, enfrentava críticas dentro do próprio PS, como da ex-ministra Alexandra Leitão, bem como de outra deputada, Isabel Moreira, e de Ana Gomes. Quanto a Belém, Luís Montenegro, líder do PSD, disse ser "normalíssimo" que Marcelo tenha pedido explicações a António Costa.
Justiça
Operação Éter
Desde 2019, Miguel Alves é arguido na Operação Éter - que investiga as Lojas Interativas da Turismo do Porto e do Norte -, juntamente com outros 58 autarcas e ex-autarcas. O Ministério Público investiga contratos ilícitos e suspeitas de corrupção e abuso de poder.
Operação Teia
Segundo o "Observador", é também visado na Operação Teia. Ajustes diretos na compra de sistemas informáticos por autarquias do Norte estão na base de suspeitas de corrupção.
Novo inquérito
A PGR abriu um inquérito ao contrato de 300 mil euros de Caminha.