"Disciplina" durante a ditadura e "legado" do 25 de Abril após o fim da URSS ajudam à solidez. Perda de eleitores não é "irreversível", mas "geringonça" pode ter tido custos.
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O PCP "saúda todos os trabalhadores como as únicas forças vivas e produtivas capazes de uma profunda e enérgica reconstrução social". Assim começava o primeiro manifesto publicado pelos comunistas portugueses, em 1921. Cem anos passados, já houve revoluções, no estrangeiro e em Portugal, e até guerras globais, fossem frias ou com exércitos no terreno. Inúmeros partidos foram criados e extintos, mas o PCP subsiste. Como explicar esta longevidade?
Para José Neves, professor de História da Universidade Nova de Lisboa, há duas respostas: por um lado, a capacidade que o PCP teve de "montar uma estrutura de resistência de oposição à ditadura"; por outro, o facto de o "legado" da Revolução de Abril de 1974 ainda estar muito presente quando, em 1991, se deu a queda da União Soviética (URSS).
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O académico, que acaba de lançar a antologia "Partido Comunista Português, 1921-2021", realça ao JN a eficácia do PCP a resistir ao Estado Novo, "sobretudo a partir dos anos 40". E fê-lo, sublinha, "ao contrário das outras forças de Oposição, quer fossem mais republicanas ou mais anarquistas".
O caráter tardio do 25 de Abril, prossegue José Neves, acabou por jogar a favor do PCP nos anos 90, aquando do fim da URSS. Em Itália, por exemplo, a fundação da democracia tinha acontecido bem mais cedo, em 1945, no fim da II Guerra Mundial. Esta questão, vinca o historiador, ajuda a explicar "como é que o Partido Comunista Italiano, o maior da Europa Ocidental, claudica mais facilmente face à queda da URSS do que o PCP".
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Longe do extremismo
Viriato Soromenho-Marques tem uma visão semelhante. Para o catedrático da Universidade de Lisboa, a estrutura "clandestina e disciplinada" que o PCP montou em ditadura tornou-se um "fator de prestígio" após o 25 de Abril.
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A partir daí, prossegue, os comunistas souberam evitar a "colagem" à "extrema-esquerda insurrecional". Isso não só travou "uma radicalização que os podia ter destruído" como tornou o partido parte da solução na construção da democracia.
"A URSS não estava interessada numa revolução em Portugal", diz Soromenho-Marques. Após a Segunda Guerra Mundial, a prioridade era "estabilizar" a divisão da Europa em dois blocos, como acordado com os Estados Unidos. E, realça, o PCP teve o "bom senso" de não transgredir.
Com o aproximar do fim da URSS, muitos partidos comunistas ocidentais abraçaram o reformismo, perdendo depois relevância. Mas o PCP não. "Muito se deveu a Álvaro Cunhal [líder histórico do PCP], homem muito inteligente e com grande sentido de sobrevivência", explica Soromenho-Marques.
Geringonça foi castigo?
Hoje, o PCP tem 10 deputados, o menor número desde 2002. No entanto, José Neves não vê a quebra como "irreversível". Admite "dificuldades" de renovação geracional, mas afirma que a "composição socioeconómica" do país é um fator mais decisivo na análise. E, com a precariedade a persistir, continuará a haver eleitorado disposto a votar PCP.
Mesmo com a quebra recente, o historiador realça que o PCP "continua a ser uma força política decisiva", tanto a nível sindical como "na sustentação do atual Governo". Sobre as autárquicas de setembro/outubro, acredita que os comunistas podem recuperar algumas das 10 câmaras perdidas em 2017 - desde logo, a de Almada.
Soromenho-Marques é mais contundente. A médio prazo, vinca, irá saber-se "se o preço que o PCP pagará pela "geringonça" não será existencial". Sublinha que, hoje, os comunistas são os que mais defendem uma Constituição "que não é marxista-leninista", mas compreende o aparente paradoxo: "Só o que morre é que fica parado", afirma. E o PCP, longe de ter morrido, celebra hoje o seu centenário.