Após a visita do Papa em 2023, o bairro da Serafina continua à espera das promessas feitas pelo Estado e a autarquia. Sem habitação digna e sem uma escola, é o centro social que recebeu Francisco há quase dois anos que ainda segura o bairro.
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Por breves momentos, o bairro da Serafina esteve no centro das atenções. A visita do Papa Francisco ao Centro Paroquial São Vicente de Paulo, em agosto de 2023, durante a Jornada Mundial da Juventude, encheu de esperança os moradores e o padre Francisco Crespo, responsável pela instituição. “‘Padre Crespo, fique descansado, vamos resolver isto tudo’”, prometeram os governantes, recorda. Mas quase dois anos depois, a esperança deu lugar à desilusão.
Junto ao Aqueduto das Águas Livres, às portas da capital, o bairro continua à margem da cidade. As casas precárias - a maioria ilegais -, a falta de equipamentos básicos, e de desobediência juvenil, mantêm a Serafina isolada, envelhecida e vulnerável. A visita papal pode ter atraído os olhares, mas não mudou realidades. Pouco ou nada foi feito.
“Depois do Papa, pensámos que tudo podia mudar”, recorda o padre Francisco Crespo, que chegou ao bairro desde 1977. “Toda a gente ficou à espera que se renovasse. Mas, até agora, nada aconteceu”, conta o cónego. Os anos passam, as eleições sucedem-se, e as promessas repetem-se. “Há quatro ou cinco projetos na câmara para renovar o bairro. Até o Presidente da República cá veio com o Papa, e o presidente da câmara [de Lisboa]. Disseram: ‘vamos resolver já’. E o que aconteceu? Nada”.
Ainda em 2023, a autarquia lisboeta anunciou a realização de um levantamento socioeconómico e das condições de habitabilidade nos bairros da Serafina e da Liberdade. As conclusões não são conhecidas, mas, em abril último, a câmara remeteu para 2026 arranque o projeto para renovação das redes de saneamento, água, eletricidade, gás e telecomunicações.
Plano não resolve problema
Um dos maiores entraves é a situação fundiária do bairro: “Os terrenos não são camarários. São de particulares que vieram de fora, compraram barato e construíram ilegalmente casas abarracadas. A câmara não consegue subsidiar os senhorios nem realojar os moradores”. Mesmo assim, o padre insiste: “Há terrenos públicos onde se podia começar. Mas preferem enterrar os fios elétricos sem haver uma requalificação do bairro. Vão começar ao contrário”, defende.
E alerta: “os senhorios estão a aproveitar-se. Sendo tudo ilegal, levam as rendas como lhes apetece, levam 400, 500 euros a quem está a lutar para encontrar uma casa. As casas são pequenas, mas à medida que vai saindo uma família, entra outra, e em vez de duas, chegam quatro ou cinco pessoas”.
A Serafina é um bairro onde faltam os básicos, lamenta o padre. Não há uma escola, nem serviços. “As crianças levantam-se às 6h da manhã para apanhar o autocarro para ir à escola em Campolide, voltam às 18h ou 19h. A antiga escola da Educação Popular, onde muitas estudaram, fechou. Já questionei várias vezes à câmara e à junta porque não assumem [o espaço] como escola pública. São feitas promessas, mais nada”.
Dentro daquele centro na rua da Igreja luta-se diariamente contra o abandono, mas a obra social de décadas está a rebentar pelas costuras. Atualmente, a instituição - com berçário, creche, jardim de infância, ATL para crianças e jovens, lar para idosos, centro de dia para a terceira idade e para pessoas adultas com deficiência -, dá resposta diariamente a cerca de 1200 pessoas e conta com 170 funcionários, sendo uma das maiores IPSS de Lisboa.
Os pedidos de ajuda têm aumentado, sobretudo de moradores desempregados e idosos. Com 120 camas ocupadas por idosos, muitas em situação de grande dependência, e uma procura que não dá sinais de abrandar, o centro esbarra num limite físico, mas também financeiro. “A vaga é só pela morte”, lamenta o padre.
Ainda assim, o centro social não fecha portas a ninguém: acrescentam-se largas centenas a quem prestam apoio domiciliário e dão refeições. As funcionárias, “verdadeiras mártires”, seja verão, seja inverno, percorrem as ruas do bairro para cuidar da higiene e levam o almoço, o lanche e o jantar a quem está acamado.
"Um bairro abandonado”
“Quem entra no eixo norte-sul, depois da ponte 25 de Abril, olha e vê o aqueduto das Águas Livres. Depois baixa os olhos e vê um bairro abandonado”, lamenta. Para o padre Francisco Crespo, a renovação do bairro seria a “maior alegria” de uma vida dedicada à Serafina. “Gostava que o bairro fosse um bilhete de entrada de Lisboa. Que quem viesse, não importa se de avião, comboio ou carro, olhasse para o nosso lindo bairro e para as pessoas que cá vivem”.
Os moradores continuam para ver o resultado da visita que guardam com alegria na memória. Por enquanto, apesar de existir uma comissão de moradores que não cruza os braços, as crianças continuam a viver em casas sobrelotadas, o bairro envelhece, os casais jovens partem e o centro paroquial resiste, sem milagres, mas com uma fé que se traduz em ação diária.