PSD criou uma comissão interna para preparar diplomas de alteração. Chega já entregou 17 propostas. IL também avançou. CDS-PP admite entrar, tal como o PAN. Mas a mudança depende da vontade do PS.
Corpo do artigo
O Chega conseguiu o apoio da Direita ao processo de revisão constitucional, que abriu em novembro e acabou suspenso devido ao estado de emergência. O PSD criou uma comissão interna para preparar propostas de alteração. O CDS-PP admite alinhar e a Iniciativa Liberal (IL) já entregou um projeto. À Esquerda, PCP e BE opõem-se. O PAN pode avançar. Mas não é suficiente para um processo que carece de maioria de dois terços. Tudo está, assim, nas mãos do PS.
Ainda não estava concretizado o fim do estado de emergência e já o Chega entregava no Parlamento uma proposta com a síntese de 17 medidas que pretende incluir na Constituição, como a castração química e o sistema de governação presidencial.
De imediato, a IL avançou com um diploma, embora considere que dificilmente será possível um consenso para uma revisão profunda da Lei Fundamental, como a que aconteceu em 1997.
Por isso, a IL avançou com "propostas de alteração mais limitadas e pontuais". Mas o que pretendia era, por exemplo, algo que o PSD sempre defendeu: a eliminação no preâmbulo do objetivo de a Constituição "abrir caminho para uma sociedade socialista".
"É um diploma demasiado extenso, contém artigos e expressões sem conteúdo jurídico que, muitas vezes, não passam de simples proclamações de boas intenções. Além disso, é, muitas vezes, marcadamente ideológica", justifica o partido de João Cotrim Figueiredo, no seu projeto de revisão.
uma "reflexão séria"
É que, para uma revisão profunda seria necessário o apoio do bloco central. Aliás, é precisamente do avanço do PS ou do PSD que os centristas aguardam para também apresentarem propostas, sobretudo ao nível da reforma da Justiça.
"O nosso grupo parlamentar tem algumas ideias e trabalho de base para uma revisão constitucional. Mas não vamos entrar numa revisão que não existe", vinca o líder parlamentar Telmo Correia, criticando o Chega por avançar com um processo de revisão apenas com um intuito mediático.
De resto, uma posição idêntica à do PAN, que contesta o momento e fala em "soundbites" vindos de um partido que já vai "na sexta proposta" de revisão. Ainda assim, a líder parlamentar Inês Sousa Real admite que "é necessária" uma "reflexão séria" sobre a Constituição, "até para abarcar valores, há muito, defendidos pelo PAN" e que constavam do seu programa eleitoral.
"não é uma prioridade"
Telmo Correia reconhece que a entrada do PSD no debate dá outra robustez ao processo, podendo atrair, assim, propostas de partidos, como o CDS-PP e o PAN. Mas não chega para se obterem os necessários 152 votos. Carece do apoio de deputados socialistas. Partido que ainda não fechou a porta de vez a uma revisão.
No entanto, dificilmente terá o apoio do PCP que, para já, recusa pronunciar-se sobre o assunto. O PEV vai decidir a sua posição na comissão executiva do dia 12. E o BE é frontalmente contra. "Não temos qualquer intenção de entrar no processo. Uma revisão constitucional não é, de forma alguma, uma prioridade para o país. Em vez de se rever a Constituição, devia-se aplicar a Constituição", vinca o deputado bloquista José Manuel Pureza.
SABER MAIS
Chega
Nas 17 propostas do Chega, fixa-se que só os "portadores de nacionalidade portuguesa originária" podem integrar o Governo; a criação de um sistema presidencialista; a redução do número de deputados; e que os condenados por corrupção fiquem vitaliciamente impedidos de exercer cargos políticos. O Chega quer, também, que a presunção de inocência não se aplique ao enriquecimento injustificado, introduzir a castração química, o trabalho obrigatório para reclusos e "uma fundamentação acrescida nos pedidos de asilo".
Iniciativa Liberal
Em relação à Saúde, a Iniciativa Liberal (IL) quer um sistema que inclua cuidados continuados e paliativos, integrado por serviços público, privado e social, assegurando liberdade de escolha e a garantia de que todos os cidadãos têm direito a seguro de saúde público. Quanto à Educação, propõe uma rede de estabelecimentos públicos, particulares e cooperativos com liberdade de escolha. Defende o fim da obrigatoriedade do serviço público de rádio e televisão, a hipótese do salário mínimo ser municipal e que a greve não impeça o direito ao trabalho.
PSD
O PSD ainda não revelou que propostas poderá apresentar. Mas, tal como a IL, sempre quis alterar o preâmbulo da Constituição, recusando o objetivo "de abrir caminho para uma sociedade socialista". E uma reforma profunda da Justiça tem sido uma bandeira de Rui Rio.
CDS-PP
Os centristas estão a trabalhar em propostas ao nível da reforma da Justiça, que passam, por exemplo, pela reorganização dos conselhos superiores e por alterações na composição.
PAN
No programa eleitoral, o PAN comprometeu-se a incluir a proteção animal, a senciência animal, reforçar a proteção do ambiente, a identidade de género, a criação de tribunais especializados para crimes de corrupção, o voto aos 16 anos e a alteração dos círculos eleitorais.
PERGUNTAS E RESPOSTAS
Quantas vezes foi revista a Constituição?
A Constituição da República Portuguesa já foi alvo de sete revisões. A última ocorreu a 22 de junho de 2005, com a criação de um novo artigo para permitir referendos aos tratados de construção europeia. A 16 de setembro de 2010, foi aberto um novo processo, mas acabou suspenso devido à demissão do então primeiro-ministro, José Sócrates.
Todas as alterações foram profundas?
Não. A última revisão mais profunda da Lei Fundamental ocorreu em 1997. Foi a quarta, aprovada, em setembro, por PS e por PSD e com os votos contra do CDS-PP, PCP, Verdes, do socialista Manuel Alegre e as abstenções de oito socialistas. Essa revisão visou aumentar os poderes da Assembleia da República, do Tribunal Constitucional, e possibilitar as candidaturas de movimentos independentes nas eleições autárquicas.
Qualquer deputado pode tentar mudar a Constituição?
Sim. Basta um deputado entregar um projeto de revisão constitucional, para que seja aberto um processo de revisão. Contudo, esse deputado, sozinho, não consegue aprovar qualquer alteração. Precisa do que se chama de uma "maioria constitucional", ou seja, de ter ao seu lado dois terços dos deputados em efetividade de funções.