Dos quase 25 mil testamentos vitais feitos desde 2014, mais de 12 mil foram em 2017. "Foi o ano em que se começou a discutir na Assembleia da República a despenalização da morte assistida", ou da eutanásia, levando a discussão sobre a morte e as formas de morrer "às famílias, ao lares de idosos, às unidades de cuidados continuados e às mesas de café", frisa André Dias Pereira, diretor do Centro de Direito Biomédico e professor na Universidade de Coimbra.
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A morte assistida acabou por não ser aprovada e no ano seguinte, 2018, o número de pessoas que fez o testamento vital desceu para pouco mais de seis mil. "É preciso falar no fim da vida, na morte e nas doenças incapacitantes para mudar mentalidades e fazer com que as pessoas entendam que têm obrigação de programar o seu fim de vida não deixando para terceiros essa responsabilidade", disse ao JN André Dias Pereira.
Falta divulgação
Sem discussão pública sobre o assunto, o testamento vital é feito sobretudo "por pessoas com doenças graves e por motivos religiosos", salientou. Entre os que mais o elaboram estão as Testemunhas de Jeová que, entre outras coisas, não aceitam transfusões de sangue. Uma recusa prevista no testamento vital e que terá obrigatoriamente de ser cumprida pelos médicos. João Macedo, enfermeiro e professor de Ética e Deontologia na Escola Superior de Enfermagem de Braga, diz que o testamento vital, "um dos documentos mais importantes previstos na lei, que permite a cada um decidir sobre o fim da sua vida, não é suficientemente divulgado nem explicado". E entende que isso devia ser feito, por exemplo, nos centros de saúde. "Em vez de as televisões estarem ligadas a passar informação que pouco interessa, podiam ser exibidos vídeos a explicar o que é, como se faz e para que serve", diz.
Os números compilados no Registo Nacional de Testamento Vital (Rentev) revelam que são mais as mulheres a deixar escrita a forma como querem ser tratadas antes de morrer. Dos 25 mil testamentos, cerca de 15 mil são de mulheres.
"Acaba por ser normal. As mulheres, como são muitas vezes cuidadoras de elementos da família, estão mais sensibilizadas para o sofrimento, para a perda de capacidades físicas e mentais e não querem que o seu fim de vida seja semelhante ao de outras pessoas que conheceram", explicou André Dias Pereira. "Também é uma questão cultural. Há pessoas que não querem falar na morte porque isso é agoirento, mas as mulheres são mais pragmáticas e querem deixar tudo decidido, libertando a família de tomar decisões que podem ser dolorosas", finalizou João Macedo.
SABER MAIS
O que é?
O testamento vital é um documento onde qualquer cidadão pode inscrever os cuidados de saúde e tratamentos que pretende ou não receber quando estiver incapaz de revelar a sua vontade. Permite também nomear um procurador de cuidados de saúde, alguém que, em caso de necessidade, decide que tratamentos são ou não feitos.
Como se faz?
Pode ser feito eletronicamente na página do Registo Nacional do Testamento Vital (Rentev) ou, pessoalmente, nos centros de saúde ou unidades locais de saúde da sua área de residência. O Rentev mantém atualizada a informação relativa aos testamentos vitais, assegurando a sua disponibilização atempada, quando for necessário.
Como se consulta?
Num contexto de urgência ou de tratamento específico, o médico assistente pode consultar através do Portal do Profissional, garantindo assim que a vontade do paciente é cumprida. O próprio utente pode, através da Área do Cidadão, verificar se o seu testamento vital está correto, ativo, dentro do prazo e acompanhar todos os acessos feitos pelos médicos.
NÚMEROS
24.333 testamentos vitais estão ativos
Em quatro anos (2014/2018), quase 25 mil portugueses fizeram o testamento vital. O número aumenta todos os anos mas, tendo em conta o número da população portuguesa, continua a ser residual.
8951 mulheres com menos de 65 anos preencheram o documento que permite decidir os tratamentos de saúde que pretendem ou não receber no caso de estarem incapazes de revelar a sua vontade.