Portugueses gastaram quase 74 milhões de euros em tranquilizantes, hipnóticos e sedativos em 2020. Valor estava em queda desde 2017.
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A venda de indutores de sono cresceu 14% no ano passado em Portugal. Em queda desde 2017, o consumo de tranquilizantes, hipnóticos e sedativos teve um aumento de vendas durante a pandemia e o confinamento, ascendendo aos 73,648 milhões de euros contra 64,710 milhões no ano anterior. Um valor que não surpreende Joaquim Moita, presidente da Associação Portuguesa do Sono: "Os portugueses dormem pouco e mal e procuram ajuda", disse ao JN. O Dia Mundial do Sono celebrou-se sexta-feira.
"A insónia e as outras patologias do sono são transversais a todas as idades, a homens e a mulheres, crianças e adultos, e aumentaram muito no último ano", explica Ana Paula Santos, responsável pelo centro do sono no Hospital da Lapa, no Porto. "Ficar em casa gera ansiedade, perdem-se hábitos de atividade física e tudo isso se reflete no sono ou na falta dele", frisou a médica.
Na tabela dos medicamentos vendidos com receita médica, os tranquilizantes representaram 71% das vendas em 2020, na categoria de indutores de sono. Ainda de acordo com dados fornecidos pela consultora Iqvia, hipnóticos e sedativos foram menos prescritos (29% das vendas) mas também aumentaram em relação aos anos anteriores. Desde 2017 que a venda destes medicamentos estava a diminuir. No ano passado, disparou e tudo indica que em 2021 a prescrição vai continuar a crescer.
Controlar a ansiedade
Na prática, os médicos estão a receitar mais medicação, não tanto apenas a nível de hipnóticos ou sedativos, mas sim em termos de tranquilizantes que, ao controlarem a ansiedade, facilitam o sono. "O atual contexto em que vivemos veio aumentar os níveis de stress e ansiedade e o agravamento dos distúrbios do sono é uma consequência que se sente em todas as profissões e em todas as idades", referiu Ana Paula Santos.
"O confinamento permitiu às pessoas ser confrontadas com a doença, com o sofrimento e com a morte. Foi uma experiência nova para a maioria e criou muita ansiedade", afirmou Joaquim Moita. A Associação Portuguesa do Sono está a realizar um estudo para perceber de que forma a pandemia está a afetar o sono dos portugueses. E já é certo que "adultos e crianças se deitam muito tarde e se levantam muito cedo", ignorando as recomendadas oito horas de sono por noite.
"O sono não se recupera. Uma noite perdida é uma noite perdida para sempre e não adianta nada dizer que se vai dormir mais no fim de semana", frisa o clínico. Hábitos como ir para a cama às 5 ou 6 horas da manhã, dormir durante o dia e não apanhar o sol ou não ver a luz do dia contribuem para o aumento de insónias e são "geradores de ansiedade". "Para além da medicação, há hábitos de saúde que é necessário seguir, como não ter aparelhos eletrónicos no quarto, sobretudo telemóveis, e não dormir com a televisão ligada, entre outros", finalizou.
Percebi que a insónia não é uma fatalidade
As insónias começaram quando Clara, 30 anos, era ainda estudante de Medicina. "Dormia o primeiro sono, acordava e não dormia mais", recorda a agora médica infeciologista. Com o tempo, chegava a estar três noites e três dias sem dormir e estava quase sempre "exausta".
Já licenciada, começou a automedicar-se e, durante uns tempos, "com os remédios, conseguia dormir. Mas depois os medicamentos deixavam de fazer efeito". Por sugestão de uma amiga, marcou uma consulta de Neurologia e percebeu que "a insónia tem cura e não é uma fatalidade".
"Comecei a fazer tratamento, criei horários para dormir e agora vivo muito melhor", afirmou. Entre as regras para acabar com as insónias, Clara respeita o horário do sono: nunca vai para a cama depois das 23 horas e nunca faz "diretas". Por indicação clínica, não faz noites no hospital onde trabalha. "Se não dormir uma noite, mesmo que possa dormir durante o dia, volta tudo ao início", finalizou a médica que, nos últimos meses, passou os dias nos cuidados intensivos a tratar de doentes com covid-19.