Alunos apontam dedo à telescola por não dar a mesma matéria das aulas e acusam cansaço.
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A felicidade dos alunos do 4.º ano em transitarem para um novo ciclo contrasta com a ansiedade dos pais, que acreditam que o ensino à distância trouxe prejuízos para a aprendizagem e para o ritmo de estudo a que os filhos estavam habituados. O desinteresse com a telescola chegou cedo; houve aulas online a funcionarem com várias interrupções devido a falhas de Internet; e são os próprios alunos a admitirem que não conseguiram acompanhar a matéria, sobretudo a Matemática.
Márcia Freitas, mãe de um aluno que até teve contacto diário com a professora, está convencida de que "as crianças não estão preparadas para passarem para o 5.º ano". Mas o medo, que o psicólogo João Lopes diz ser mais "dos pais do que das crianças", é extensível a outros encarregados de educação que viram os filhos a contactarem, esporadicamente, com os professores. Houve quem nunca mais tenha ouvido a professora desde que a escola fechou.
Aprendo a matéria sozinho com fichas
Desde que a escola fechou portas, em março, Santiago Tinoco, aluno do 4.º ano na EB1 de Santa Tecla, em Braga, nunca mais contactou com a sua professora titular. Não tem computador em casa, telemóvel ou Internet para aceder às aulas online, "por opção", diz o pai, Vítor Tinoco, que acredita que os aparelhos iriam "distrair mais do que ajudar" o filho.
A família vive no bairro social de Santa Tecla e, desde o início da pandemia, passou a receber as fichas da professora, na sede do projeto Geração Tecla, da Cruz Vermelha de Braga, que faz mediação entre estes moradores e as escolas. "Às terças-feiras vem aqui buscar as fichas, leva-as para casa, faz os trabalhos e, depois, volta a devolver para entregarem à professora. Se tivesse computador, ia dar mais atenção aos jogos do que à escola", acredita Vítor Tinoco, que tem assumido o papel "de professor", quando o filho tem dúvidas.
Santiago diz que a disciplina de Matemática "é a mais difícil". "A minha disciplina preferida é Estudo do Meio. É a que eu gosto de ver na telescola", conta o aluno, confessando que as aulas pela televisão não são cativantes e falha algumas. "A matéria que mostram não é a mesma que estou a aprender", justifica Santiago.
O pai defende que as escolas primárias deveriam ter aberto, aquando o Ensino Secundário. "Como é que se vão adaptar ao Ensino Básico, com professores mais rigorosos? Acho que os alunos deveriam repetir o 4.º ano todo, outra vez. Ou, pelo menos, haver um exame para avaliá-los. Quem não passasse, não avançava", considera Vítor Tinoco. O filho assume: "Eu quero ir para escola, mas acho que não estou preparado".
Há sempre meninos a interromper as aulas
Rúben Oliveira, 10 anos, aluno da EB1 de Ronfe, em Guimarães, diz que está "cansado" do ensino à distância. A professora esforça-se com aulas online diárias de duas horas - à exceção de terça-feira -, mas vários fatores têm trazido desmotivação. "Não há um quadro para explicar a matéria, a Internet às vezes falha e a professora tem que repetir tudo para quem não ouviu e não consigo acompanhar bem a Matemática", exemplifica o petiz. Os pais estão preocupados com a transição para outro ciclo de ensino.
"As crianças não estão preparadas para passarem para o 5.º ano", considera a progenitora, Márcia Freitas, assumindo que, desde que Rúben veio para casa, tornou-se "mais preguiçoso" e, na turma, há mesmo alunos que faltam às sessões com a docente principal. Por outro lado, reitera, "há sempre meninos a interromper as aulas pela Internet" e o facto de os encarregados de educação não poderem assistir às aulas online cria dificuldades. "Há matéria que já não conseguimos explicar e, se a professora deixasse assistir, podíamos ajudar melhor no estudo em casa", defende Márcia.
Depois, acrescenta, a telescola é deixada de parte, quase todos os dias. "É uma seca", atira Rúben, com o pai ao lado a confessar que o filho "adormece" em frente à televisão. Preocupados com as dificuldades de aprendizagem, assim que abriram os centros de estudos, o aluno passou a ser acompanhado. Mas Márcia entende que, no 5.º ano, os professores "deveriam fazer uma revisão para saber o nível dos alunos". "Duas horas por dia de aulas online não compensa o tempo que passavam na escola. Não foi benéfico para as crianças", conclui.
Já está cansada do ensino à distância
A filha de Ana Oliveira, Ana Isabel Pereira, está inserida numa turma de "muito bons alunos", mas as preocupações com a transição para o 5.º ano são as mesmas que qualquer outro encarregado de educação. O ensino à distância abrandou o "ritmo" das aprendizagens e a mãe concorda que, no final do 1.º Ciclo, "deveriam ser feitos testes a todos os alunos e readaptarem-se os programas". No papel, a professora atribuiu-lhe um horário com três dias de aulas por videoconferência, com apenas meia hora cada uma. Mas, na prática, Ana Isabel confessa que a docente foi mais longe, com contactos mais longos. Havia, ainda, tempo para aulas de Inglês, mas a atividade extracurricular de teatro caiu. Sobre o conteúdo das aulas, a aluna admite que se resumiram a revisões da matéria que já tinha sido dada até março, antes da escola fechar. "Os meninos da turma são todos muito espertos e a professora já tinha avançado na matéria. Faltava só concluir Matemática. Como está sempre a repetir conteúdos, às vezes fica um pouco desmotivada", conta a mãe, assumindo que as aulas por videoconferência só iniciaram após a Páscoa. Até lá, recorreu a uma professora amiga para fazer acompanhamento ao estudo. Sobre a transição, além de adaptação dos programas, Ana Oliveira defende que as aulas têm que ser presenciais. "Já está cansada do ensino à distância", diz. Ana Isabel anui: "Prefiro estar na escola para brincar com os meus amigos". E não receia o novo ciclo. Já foi conhecer a nova escola, mas a mãe diz que "ainda não tem muita noção da mudança".