Aposta nas comunidades intermunicipais e criação de plataformas de colaboração defendidas por especialistas rumo aos territórios digitais.
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Centralismo, falta de escala dos municípios ou ausência de partilha de bens e serviços são velhos obstáculos que também surgem quando se fala na criação de territórios digitais inteligentes. Um dos caminhos apontados é o federalismo autárquico.
Para António Covas, professor catedrático da Universidade do Algarve, criar territórios digitais inteligentes exige "um passo em frente dos municípios" para um "federalismo autárquico" que contemple a definição de "um governo dos comuns" e um centro partilhado de recursos digitais. Mas em que consiste esse federalismo? "Nesta fase, significa maior aprofundamento do regime das comunidades intermunicipais (CIM)", que seriam o tal "governo dos comuns", explica. E também "maior diálogo regional" entre estas e as comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR). "No limite, poderá assumir a forma de um contrato de desenvolvimento territorial para as CIM", que seriam "a sede privilegiada para acolher e organizar a provisão de bens e serviços comuns fundamentais".
Admite que a falta de escala dos municípios "é um grande problema, logo, as estruturas cooperativas e as plataformas colaborativas são a solução". Quanto ao risco da transição digital aumentar assimetrias em territórios desfavorecidos por falta de cobertura, "é, infelizmente, bem real". Mas "o bom senso irá prevalecer".
Digital rompe barreiras
Por sua vez, o diretor do Centro de Investigação em Ciência Política da Universidade do Minho, Miguel Ângelo Vilela Rodrigues, acredita que a transição digital poderá "eliminar algumas barreiras que, mesmo invisíveis, continuam a dividir territórios por via da distribuição de poderes administrativos". E "uma efetiva transferência de poderes para um nível local/regional aliada à criação de plataformas digitais de colaboração entre diferentes atores governamentais públicos, privados e associativos pode gizar condições" para criar "serviços públicos partilhados com valor acrescentado para a população".
Sobre descentralização, António Covas diz que "a transferência tem sido muito cautelosa". Mas o diálogo entre CCDR, CIM e câmaras "pode frutificar no quadro do Plano de Recuperação e Resiliência e do próximo quadro comunitário". Sugere ainda "um conselho estratégico regional" que iria "esboçar compromissos".
Regionalização
Defende igualmente "uma política regional esclarecida, antes de mais, e depois uma regionalização funcionalista e pragmática, de pequenos passos, mas participada e muito escrutinada".
Também questionado sobre a descentralização em curso, Miguel Rodrigues disse, ao JN, que "peca" por "tratar de forma igual realidades substancialmente diferentes". "Municípios com situação financeira mais débil, menor massa crítica, deficiências estruturais e menor capacidade para beneficiar de economias de escala, passam a ser responsáveis, perante as populações, por assegurar o menor tipo de serviços públicos que municípios em melhores condições".
Acrescenta que a distribuição das responsabilidades é desequilibrada. "Em larga medida, sobretudo em áreas mais substanciais (Educação, Saúde e Ação Social), a orientação das políticas públicas continua a ser nacional" e a decisão estratégica "permanece centralizada".
Administração local a pesar só entre 12% e 14%
"Portugal tem um modelo de organização territorial e administrativa francamente centralizado", diz Miguel Rodrigues, diretor do Centro de Investigação em Ciência Política da Universidade do Minho. E nota que um dos indicadores mais usados para aferir o nível de centralismo é o peso da despesa da administração local (AL) face ao peso total da despesa pública. O peso da AL tem variado entre 12% e 14%. Só em 2008 atingiu um máximo de 15,7%, que não se repetiu, disse ao JN. Estamos "entre os países com um sistema administrativo mais centralizado da Europa, a par da Hungria, Irlanda e Reino Unido, mas bastante longe dos 35% da Alemanha e 33% da Espanha". Assim, a administração central representa 86% a 88% da despesa pública.