Catarina Rogado recebeu há um ano um transplante de medula do irmão. Apela, por isso, à mobilização de dadores e ao reforço da informação.
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Catarina está nesta jornada há sete anos: foi-lhe diagnosticado um linfoma de Hodgkin, em 2016, aos 31 anos, e passou por três recidivas após várias tentativas de remissão do cancro. Fez quimioterapia, radioterapia, um autotransplante (com as próprias células) e começou imunoterapia no dia em que o país parou completamente com a pandemia.
É no IPO de Lisboa que nos conta a sua história numa data simbólica: acabou de realizar um exame que irá confirmar se não tem a doença ativa, um ano depois de ter recebido a medula óssea do irmão. A procura por um dador começou primeiro na família direta e por aí ficou: "em março de 2021, veio o resultado de que o meu irmão era 100% compatível". Após a espera de um ano, em "três a cinco dias" o irmão, oito anos mais velho, estava pronto para a colheita. O processo é simples: o sangue circula por uma máquina e são retiradas as células que, passadas umas semanas, serão usadas para o transplante. "Quando terminou, a enfermeira disse-me, com um ar superssereno, o "seu irmão quer vê-la". Até parecia que ele estava muito mal. Mas quando o vi, estava com uma sensação de dever cumprido", recorda com alegria.
Entre os momentos de esperança houve também o receio de que o transplante não corresse bem. A recuperação foi lenta e Catarina continuou a ver a sua "vida social e profissional como se estivesse em standby", mas o seu corpo reagiu bem à medula.
Embora tivesse "a sorte" de ter um dador com este nível de compatibilidade, Catarina partilha da "aflição da vida depender do altruísmo dos outros". Decidiu, por isso, passar a apelar às pessoas para a doação, contando a sua história tanto nas redes sociais como em ações da Associação Portuguesa contra a Leucemia.
É preciso explicar
"É mesmo incrível o que o IPO faz por nós, com poucos recursos e condições, mas com toda a vontade do Mundo. Mas esta é uma missão de vida que, às vezes, tem constrangimentos fora do nosso controlo ou porque telefonam a um possível dador, mas recusa, ou quando nós, doentes, estamos a tentar recuperar da aplasia medular em internamento e precisamos de uma transfusão de sangue ou de plaquetas e as reservas estão em baixo", lamenta.
Enquanto doente transplantada e que acompanhou de perto o seu dador, Catarina não teve outra opção senão familiarizar-se com o processo. Por isso, quando apela à dádiva fala com toda a segurança de um "procedimento que é simples, seguro e controlado", mas também de "uma satisfação de salvar a vida de alguém que compensa tudo o resto".
"Quando ouço pessoas que me dizem que gostavam de doar medula, mas têm medo da dor, parte-me o coração. Desconforto todos temos na vida quando vamos ao dentista, temos uma gripe, partimos um pé ou fazemos uma tatuagem. Que dor é essa, sabendo que se está a salvar alguém que tem milhões de outros desconfortos e que não sabe se vai morrer ou viver?".
Catarina alerta que não basta dizer aos dadores que "vão dar medula", é preciso esclarecer para evitar desistências. Diz que "muitas vezes, as pessoas inscrevem-se como dadores porque veem uma criança que precisa de um transplante ou um caso mediático", mas não conhecem o processo. "Alguém pouco informado pensa que doar medula é ter uma seringa espetada no osso pelas costas".
Houve 88 dadores a desistir do processo
Em 2022, 88 dadores inscritos no CEDACE decidiram não prosseguir com a dádiva após saberem que eram compatíveis com um doente que necessitava de um transplante de medula óssea.
"Acredito que se conhecessem o dia a dia destes doentes, dificilmente alguém fosse recusar", diz Susana Roncon, diretora do Serviço de Terapia Celular do IPO do Porto. Para a especialista, a "falta de informação" em torno da dádiva afasta os potenciais dadores.
"É preciso dar a conhecer ao dador a essência da dádiva, mas também que este não é um procedimento isento de riscos. Tranquilizá-lo, dizer que é controlado e que será acompanhado por uma equipa médica de enfermagem em todo o processo e durante a colheita".
Melhorar a informação
Da sua experiência diária com dadores aponta dois receios. "A longo prazo, alguns têm medo de desenvolver cancro do sangue. Digo claramente aos nossos dadores que está cientificamente provado que a colheita de medula não induz nenhuma doença oncológica. Já a curto prazo têm muito medo de, no dia seguinte, não poderem trabalhar, de terem dores ou de desenvolverem uma infeção".
Ao JN, o Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST) adiantou que - quando terminar o trabalho das equipas que nomeou em 2022 com o objetivo de melhorar as atividades do registo nacional de dadores - irá promover "uma importante campanha nacional" e a inscrição passará a ser online, sem adiantar uma data. O IPST garantiu que está a melhorar a informação a prestar ao potencial dador acerca da dádiva, bem como do consentimento informado.