Desde 2020 que o número de dadores inscritos no Centro Nacional de Dadores de Células de Medula Óssea, Estaminais ou de Sangue do Cordão (CEDACE) está em queda: até ao início de março eram 391 699.
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A média etária dos dadores está acima da europeia: em Portugal, a idade chega aos 39 anos e na União Europeia é de 32 anos. Ainda assim, no ano passado, 72 pessoas receberam dádivas de dadores portugueses, sendo que a maioria (48) foi para o estrangeiro. O doente mais novo a ser salvo foi um bebé de um ano na Noruega.
O CEDACE dá resposta a muitos doentes que precisam de um transplante de medula óssea mas não têm um familiar compatível, procurando um potencial dador no registo nacional e, se necessário, na base mundial de dadores. Em 2022, foram realizadas 72 colheitas de células para transplante em dadores portugueses, mais seis face ao ano anterior. Mais de metade (48) foram para fora do país: tiveram como destino 13 países, principalmente os Estados Unidos da América (14), Itália (8), França (6) e Espanha (4). O doente mais novo tinha um ano: era da Noruega e recebeu a medula óssea de um dador português de 30 anos. Mas nem todos os dadores ativados dão o passo seguinte: só no ano passado, 88 decidiram não prosseguir com a dádiva quando foram chamados (ler texto ao lado).
Os portugueses dão, mas também recebem. Da rede internacional, Portugal recebeu 62 dádivas de dadores da Alemanha (41), Estados Unidos da América (4), Espanha (2) e Inglaterra (2). O transplantado mais novo em Portugal tinha quatro anos e recebeu a medula de um dador da Alemanha com 23 anos.
Fonte oficial do Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST) explicou que, nos últimos anos, o registo nacional perdeu 11 165 dadores por "múltiplas causas", em especial devido ao seu envelhecimento, "tendo sido retirado um número significativo por limite de idade" (a dádiva pode ser feita até aos 55 anos). E a verdade é que muitas das campanhas de sensibilização independentes, sem o aconselhamento do CEDACE, resultam, muitas vezes, na inscrição de pessoas próximas desse máximo.
Nuno Miranda, diretor da Unidade de Transplante de Medula do IPO de Lisboa, atribui esta quebra ao "efeito de uma diminuição de casos individuais mediáticos, ao envelhecimento da população de dadores e à crise pandémica". No seu serviço, ainda que a covid-19 tenha limitado a realização de transplantes, o médico revela que se tem verificado "um crescimento lento", resultado de um "maior numero de indicações [para transplante] e maior número de dadores [compatíveis]"."Os dadores voluntários são uma prova da bondade e da solidariedade da Humanidade que nos espanta no tempo presente", sublinhou o médico.
Faltam jovens e etnias
Uma generosidade que é também assinalada por Susana Roncon, diretora do Serviço de Terapia Celular do IPO do Porto, que alerta para a necessidade da população em geral conhecer a realidade dos doentes à espera de um dador compatível, bem como os já transplantados para atrair potenciais dadores.
"Não pode ser um ato isolado e passados dois ou três anos repete-se a mesma campanha. É preciso perceber que o doente que não tem dador corre risco de vida e a probabilidade de morrer é alta". A especialista alerta ainda para a importância de divulgar histórias de sucesso. Entre os dadores voluntários inscritos no registo nacional que realizam a colheita no IPO do Porto "é muito raro aparecer um jovem", conta. A maioria são "dadores familiares, em geral, irmãos de doentes, e com idade inferior a 18 anos".
Uma falta que também é sentida por Nuno Miranda: "São precisos mais jovens e uma maior representação das minorias étnicas". Ao JN, o IPST reconhece que para "otimizar" o registo deve-se recrutar sobretudo dadores jovens, entre os 18 e os 35 anos, preferencialmente do sexo masculino e de diversas etnias, de forma a aumentar o painel genético.
Pai será o dador de Simão
Desde que lhe foi diagnosticada leucemia linfoblástica aguda tipo B, em setembro de 2022, Simão Correia, 23 anos, tem partilhado a sua jornada nas redes sociais, apelando, através da música, a que as pessoas "não tenham medo de salvar uma vida". A procura de um dador tem sido um processo difícil dada a baixa compatibilidade e as desistências. Agora vão passar ao plano B: o pai será o seu dador, apesar de haver apenas 58% de compatibilidade. O transplante deve ser feito este mês.
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Potencial dador
De acordo com o IPST, um potencial dador de medula óssea para estar inscrito no registo nacional tem de ter entre 18 e 45 anos, ser saudável, pesar no mínimo 50 kg, ter pelo menos 1,50 m de altura e nunca ter recebido uma transfusão de sangue desde 1980. Sendo a medula um tecido que se regenera facilmente, é possível fazer mais do que uma dádiva.
Inscrição
Após preencher um formulário e recolher uma pequena amostra de sangue nos locais de recolha móvel ou permanente do CEDACE, o dador fica registado nas bases de dados nacional e mundial até aos 55 anos. Só é necessário apresentar o cartão de cidadão ou o visto de residência (no caso dos cidadãos estrangeiros residentes em Portugal). Pode demorar anos até que o dador seja chamado ou até nunca chegar a ser.
Ativação do dador
Quando há possibilidade de doar medula óssea a um doente compatível, o CEDACE ativa o dador. É necessário confirmar a tipagem HLA (isto é, as características tecidulares dos leucócitos) do dador em alta resolução e verificar se, durante o tempo em que esteve inscrito, não teve nenhuma doença que impeça a dádiva. Caso o dador concorde em continuar o processo tem de realizar análises para averiguar a compatibilidade.