Carla Mendes, 44 anos, manteve o computador que lhe entregaram na escola das filhas guardado na caixa durante dois meses, com medo que o aparelho se estragasse. Sem recursos financeiros para suportar reparações e com poucos conhecimentos de informática, a moradora da Trafaria, freguesia do município de Almada, só ligou o equipamento para a filha mais velha, que frequenta o 2.o ano, assistir ao último dia de aulas à distância, já que hoje regressou à escola.
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"Nunca fui muito ligada a computadores e nunca tive Internet em casa", justifica Carla. "Antigamente, usava o computador para jogar às cartas, mas como não tinha uso deixou de funcionar", explica. E os anos foram passando. Quando recebeu o computador, no final de janeiro, para que Mariana, de cinco anos, e Regina Correia, de sete, pudessem acompanhar as aulas online, percebeu que nem ela nem o marido, pedreiro de profissão, lhes podiam dar apoio, e colocou o computador numa prateleira.
Vizinha solidária
Regina sentia-se triste por não poder acompanhar as aulas virtuais. "Perguntava-me a toda a hora pelo computador e eu respondia-lhe: está guardado na caixa", conta Carla. Apesar disso, graças à boa vontade da vizinha Cíntia, a filha retomou o contacto com a escola duas semanas após o confinamento. Cíntia imprimia o plano semanal, os materiais para estudar e os trabalhos de casa que a professora mandava e, depois, tirava fotografias e enviava-os de volta.
Entretanto, para poder ajudar as filhas, Carla frequentou um curso de informática na escola das meninas, com a duração de oito horas, no qual já se tinha inscrito no ano passado. "Tivemos duas aulas por semana, quatro vales de alimentação e vamos receber um certificado", conta, orgulhosa. Após o professor programar o computador, aprendeu a navegar e a pesquisar na Internet, a fazer o download de imagens e a entrar na plataforma usada pela escola para as aulas à distância.
Quando finalmente Carla conseguiu entrar na sala de aula virtual, com a ajuda de clientes da sua mercearia, no último dia de escola online, Regina voltou a ter contacto com a professora e com os colegas. "Ficou toda contente", recorda a mãe.
Apesar de a criança ter perdido dois meses de aulas, Carla não está preocupada, porque diz que tem facilidade em aprender e é aplicada. "No Natal já sabia ler", garante. Para a incentivar, punha-a a ver as revistas e os jornais que comprava para a loja. "Não tem o 2.º ano completo, mas já lê os rodapés da televisão." A filha Mariana nunca assistiu às aulas do pré-escolar.
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