Esquerda aplaude chumbo da lei da nacionalidade: "Governo não é dono da razão"

Revisão da lei da nacionalidade e alteração do Código Penal foram chumbadas pelo Constitucional
Foto: Leonel de Castro
Os partidos de Esquerda manifestaram-se, esta segunda-feira, satisfeitos com a decisão do Tribunal Constitucional (TC), que declarou inconstitucionais várias normas aprovadas no Parlamento sobre a revisão da lei da nacionalidade e a criação da perda de nacionalidade como pena acessória no Código Penal. Para PS, Livre e BE, o acórdão representa uma vitória dos princípios fundamentais do Estado de Direito e um sinal político claro para o Governo.
Pedro Delgado Alves, do PS, foi o primeiro a reagir, sublinhando que o partido sempre alertou para riscos constitucionais. Recordou que o Parlamento legislou, mas que "o tribunal agora fiscalizou a constitucionalidade" e deixou uma mensagem clara: "O importante é concentrarmo-nos em encontrar boas soluções, melhores soluções para a lei da nacionalidade".
O socialista lamentou que, durante meses, muitas vezes se tenha legislado "à pressa, sem acautelar todas as medidas necessárias", razão pela qual o PS pediu fiscalização preventiva de oito normas - cinco das quais acabaram chumbadas, quatro por unanimidade: três do decreto que revê a legislação, bem como a norma que altera o Código Penal.
Pedro Delgado Alves salientou que estavam em causa "princípios fundamentais, básicos, elementares, em qualquer Estado de Direito democrático", como a igualdade, a proteção da confiança e a proporcionalidade. E deixou um aviso político à AD: "Esperamos que haja humildade suficiente da parte do Governo para perceber que não é dono da razão, nem sequer de uma maioria que lhe permite fazer tudo."
Ao lado de "parceiro radical"
"O que esperamos é que seja possível agora, sem radicalismo - sem escolher os parceiros que tentam tornar a lei da nacionalidade apenas um obstáculo às pessoas que vivem entre nós - regressar ao debate democrático em sede parlamentar. A maioria PSD/CDS teve todas as oportunidades para ver aprovada uma lei da nacionalidade equilibrada e conforme à Constituição", acrescentou
O deputado acusou ainda a coligação de ter caminhado ao lado de um "parceiro radical" interessado em "criar um ambiente hostil" contra migrantes e naturalizados.
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Livre destaca perigo de revisão constitucional
Por sua vez, Rui Tavares, do Livre, sublinhou que o acórdão do TC desmonta qualquer tentativa de justificar as medidas como simples ajustes técnicos. Para o Livre, foi uma "tentativa politicamente motivada" que, além de ferir direitos fundamentais, alimentou um clima de suspeita sobre cidadãos naturalizados. O deputado recordou que "quatro normas foram declaradas inconstitucionais por unanimidade", algo que considera revelador da "gravidade objetiva" da intervenção legislativa da AD.
No plano político, Tavares avisou que o Governo não pode ignorar que "há limites constitucionais que protegem todos, independentemente do clima político do momento". O deputado insistiu que a maioria cedeu "à pressão da extrema-direita" e avisou que a discussão prepara o terreno para "uma revisão constitucional que pode querer mexer nos princípios que nos valem a todos". Para o Livre, esta decisão é um aviso precoce: "O risco não desaparece; apenas ficou mais visível."
PCP teme "ofensiva mais ampla"
Já o secretário-geral do PCP disse que lhe causava estranheza que os proponentes esperassem um desfecho diferente. Paulo Raimundo sublinhou que os comunistas já tinham alertado para essas inconstitucionalidades durante o processo parlamentar.
Questionado sobre a possibilidade de a aprovação de diplomas inconstitucionais servir para justificar uma futura revisão constitucional, o líder comunista disse não querer ir tão longe, mas considerou "espantoso" que os partidos da Direita não tenham identificado normas claramente inconstitucionais. Admitiu várias leituras para esse cenário, desde uma afronta à inteligência política até à expectativa de que ninguém recorresse ao TC.
Paulo Raimundo enquadrou ainda o diploma numa ofensiva política mais ampla do Governo, que inclui, segundo o PCP, o desmantelamento do SNS, opções na habitação favoráveis a interesses financeiros, benefícios fiscais às grandes empresas e o pacote laboral, antecipando que a revisão constitucional poderá ser um dos últimos passos desse caminho. Quanto ao futuro da lei da nacionalidade, afirmou que os proponentes terão agora de a conformar às decisões do Tribunal Constitucional, não tendo alternativa senão corrigir as normas chumbadas.
"Derrota política clara", diz BE
Pelo Bloco de Esquerda, José Manuel Pureza reforçou que a decisão do TC representa "uma derrota política clara" da AD e do Chega, que, no seu entender, procuraram transformar a nacionalidade "num instrumento de exclusão e suspeição". O bloquista descreveu a proposta agora travada como "injusta, desproporcionada e perigosa", por abrir portas à perda de nacionalidade por decisões judiciais que poderiam penalizar cidadãos já plenamente integrados na comunidade.
Pureza acrescentou que a insistência do Governo neste caminho tem sido "um exercício de radicalização simbólica", com impacto nulo nos problemas reais do país. "Nunca foi por causa da nacionalidade que as rendas se tornaram incomportáveis, que as urgências fecharam ou que os salários estagnaram", afirmou. Para o BE, o chumbo do TC deve servir para recentrar a ação política "no que verdadeiramente importa às pessoas".

