Estudo sugere projeto-piloto de voto aos 16 anos e transportes grátis para combater abstenção
Um teste-piloto de redução da idade de voto para os 16 anos, transportes públicos grátis no dia das eleições ou um círculo nacional de compensação são algumas das recomendações de um estudo para combater a abstenção em Portugal.
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Considerando que "uma proporção considerável dos eleitores com perfil de participação mais esporádico reside longe das assembleias de voto, e a impossibilidade material de votar foi indicada por um terço dos eleitores como motivo para não votar nas autárquicas de 2021", os investigadores sugerem um projeto-piloto de transporte público gratuito em dias de eleição, "em regiões com elevada abstenção e dificuldades de acessibilidade".
Outra das recomendações passa pelo alargamento do voto antecipado em mobilidade para todas as eleições, "facilitando o voto para quem, por razões profissionais, académicas ou pessoais, se encontre fora da área de recenseamento no dia da eleição e/ou nas semanas que a antecedem".
Estas sugestões constam de um estudo, divulgado esta sexta-feira, da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) e intitulado "Abstenção Eleitoral em Portugal: Mecanismos, Impactos e Soluções", da autoria dos investigadores João Cancela e José Santana Pereira.
O estudo trabalhou com uma amostra de 2405 cidadãos que participaram num inquérito de opinião e "focus groups" com 26 eleitores que "se costumam abster ou votar de forma intermitente", realizados entre final de 2021 e 2022. Foram também contactados atores políticos de três planos: Assembleia da República, Parlamento Europeu e autarcas, entre 2024 e 2025.
Votar aos 16 anos
Os investigadores recomendam a realização de um teste-piloto de redução da idade de voto para os 16 anos, sugerindo-se que aconteça numa eleição de "segunda ordem, nomeadamente para o Parlamento Europeu" e "seja acompanhada por um reforço da educação cívica e dos esforços de mobilização institucional".
A redução da idade para votar provocou algum ceticismo por parte da elite política contactada mas também pela população em geral, com apenas 17% dos inquiridos a mostrarem-se favoráveis.
Outra proposta que é vista com resistência por parte de alguns partidos é a criação de um círculo nacional de compensação em eleições legislativas, recomendação que os dois investigadores consideram importante para "aumentar a proporcionalidade do sistema e atenuar a sensação de inutilidade do voto em distritos com baixa magnitude eleitoral".
De modo a fomentar o "sentimento de dever cívico" desde tenra idade é sugerido que o currículo da disciplina de Educação para a Cidadania, nos primeiros ciclos do ensino básico, transmita "mais explicitamente o entendimento da centralidade do voto e do dever de participação eleitoral".
Os autores propõem a realização de simulações de processos eleitorais e atividades práticas de tomada de decisão sobre questões comunitárias e sociais, bem como debates sobre as consequências da abstenção e sobre "o voto enquanto dever e não apenas um direito".
José Santana Pereira explicou que a principal preocupação dos investigadores "foi encontrar um conjunto de recomendações que têm uma probabilidade diferente de zero de virem a ser equacionadas pelas elites políticas e pelas instituições políticas".
Não foram incluídas nas recomendações a possibilidade de votar online (a reforma mais selecionada pelos inquiridos, 30%, muito popular entre os mais jovens e mais escolarizados), por questões de segurança, nem a introdução do voto obrigatório, devido à "baixa aceitação social e aos riscos de comprometer a liberdade individual", além de poder gerar "votos pouco informados".
Além de aprofundar o conhecimento académico sobre o fenómeno da abstenção, José Santana Pereira disse esperar que o estudo faça com que o debate acerca do tema "não fique circunscrito à noite eleitoral, em que vários líderes partidários e outros elementos com responsabilidades políticas se lamentam e depois o assunto fica por aí".