Desde o início da pandemia, têxteis de proteção contra a covid-19 são os que mais crescem. Mês de maio foi o melhor, mas há a ameaça da China.
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As empresas portuguesas de têxtil e vestuário exportaram, desde o início da pandemia, cerca de 100 milhões de euros em máscaras sociais reutilizáveis. Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) tratados pela Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP) para o JN demonstram que maio foi o mês em que as empresas mais faturaram com a exportação de máscaras. Mas os descartáveis da Ásia são uma ameaça.
O ano de 2020 está a ser penoso para as exportações do têxtil e vestuário, que registaram uma quebra homóloga de 15,2% nos primeiros sete meses do ano. O cenário seria muito pior se as empresas não se tivessem reconvertido para produção e exportação de máscaras e outros equipamentos de proteção contra a covid-19.
Exportam para a Europa
Em Portugal, por ser um produto recente, a máscara não tem um Código de Atividade Económica próprio. Insere-se nos "artefactos têxteis confecionados", onde se incluem outros produtos. A estimativa da ATP é que todo o crescimento deste segmento seja atribuído às máscaras, uma vez que os restantes produtos estão em quebra. Assim, 97,7 milhões de euros é o valor exportado em máscaras, segundo a ATP, com base no INE.
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Já no vestuário de proteção como batas médicas e luvas, as exportações valeram 15,5 milhões de euros e, ao contrário das máscaras, aqui o crescimento é sustentado. O melhor mês foi mesmo o de julho, pois ainda não há dados de agosto e setembro.
"Há muita exportação de máscaras para França, Espanha, Alemanha e Inglaterra", revela Mário Jorge Machado, presidente da ATP. O responsável acrescenta que a máscara portuguesa vai "sobretudo para a Europa", fruto do acordo rubricado por 30 países da União Europeia e sua periferia.
Os artigos de proteção contra a covid-19 são, dentro do têxtil e vestuário, aqueles cujas exportações mais cresceram. Contudo, este crescimento está a ser ameaçado pelos produtos descartáveis fabricados em países asiáticos.
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Se os países europeus importam máscaras descartáveis da Ásia, abdicam de comprar as reutilizáveis a Portugal e esta circunstância pode justificar o facto de o crescimento das exportações de máscaras portuguesas ter sido mais tímido em junho e julho, se comparado com o mês de maio. "A importação, por parte da Europa, de produtos chineses relacionados com Equipamentos de Proteção Individual teve um disparo gigantesco", lamenta o presidente da ATP.
As associações pedem mais medidas de auxílio, mas também elogiam o novo modelo do regime de apoio à retoma progressiva, anunciado esta semana pelos ministros Pedro Siza Vieira e Ana Mendes Godinho. "É preciso fazer com que as medidas sejam cumulativas, apostar na formação profissional e apoiar a tesouraria das empresas, ajustando as linhas de apoio à massa salarial", apela César Araújo, da Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confeção (ANIVEC/APIV).
Contratou 10 pessoas para reforçar produção
Numa altura em que o desemprego é galopante no país, a fábrica CCI teve de contratar dez pessoas e laborar com horas extraordinárias porque as encomendas de máscaras são muitas. A empresa com sede em Lordelo, Guimarães, é uma pequena fábrica familiar que tinha cerca de 20 funcionários e passou para cerca de 30.
"Deu para chamar as pessoas todas que estavam em lay-off e tivemos de reforçar a produção em cerca de dez pessoas. Sem os colaboradores nós não podíamos cumprir as encomendas, têm sido sábados a dar horas", admite Fernando Guimarães, engenheiro de produto da CCI, sigla de Carfati Confeção Infantil.
Fátima Carvalho, mãe de Fernando, é a gerente. Fundou o espaço em 1988 e já passou por várias crises. "Nunca mudei o número de telefone, sabe o que isso quer dizer", revela, com algum orgulho. Em abril deste ano, único mês em que a CCI esteve em lay-off, Fátima pôs mãos à obra e desenvolveu ela própria o modelo de corte da máscara que viria a ser exportado para muitos países, sobretudo da Europa. "Exportamos para Espanha, França, Alemanha, Dinamarca, Luxemburgo, Bélgica, Angola, Suíça e Gronelândia", contabiliza Fernando Guimarães.
Apesar de ser uma máscara viajada, o mercado nacional continua a representar cerca de 90% do total de vendas e é o único equipamento de proteção em que a CCI apostou. Na base do sucesso está o produto bom (três camadas: poliéster, tecido não tecido e algodão) e a carteira com vários desenhos e padrões passíveis de serem impressos na parte de fora. "De momento temos cerca de 100 padrões, mas fazemos muitas personalizadas para empresas. Até para casamentos já fizemos, com as iniciais dos noivos", explica Luciana Carvalho, também da família, filha de Fátima e irmã de Fernando.
Até ao início da pandemia, Luciana trabalhava no departamento financeiro, mas o grande fluxo de pedidos de máscaras obrigou a reorganizar a estrutura: "Agora estou responsável pela gestão das encomendas".
Enquanto Luciana contabiliza as encomendas, a produção avança com todo o ritmo. Metade da fábrica faz máscaras e a outra metade continua a confecionar vestuário. "As máscaras são um mundo novo. Hoje temos em linha e vamos continuar a produzir, mas é uma incerteza", constata Fernando, que admite ser esta a forma de compensar a quebra de encomendas do vestuário. A vantagem da máscara é que é mais simples para produzir, a desvantagem é que tem menor margem de lucro. "Vai cobrindo, pelo menos mantemos as pessoas ocupadas vários dias", salienta.