Portugal quer ir na roda da Europa quanto à mobilidade ciclável, mas ativistas apontam ainda falhas que impedem que as duas rodas se afirmem como meio de transporte preferencial nas cidades. Congresso em Barcelos, entre 3 e 5 de junho, vai pôr especialistas de Portugal e Espanha a discutir o tema.
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Em 2019, o Governo aprovava a Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Ciclável 2020-2030 com o compromisso de, numa década, colocar Portugal na rota da Europa quanto à utilização da bicicleta como meio de transporte. Ficou definido o crescimento de viagens de 0,5% para 7,5%, a extensão das ciclovias para dez mil quilómetros e a redução da sinistralidade de peões e ciclistas em 50%, mas a mudança tem andado a passo de caracol. Faltam infraestruturas e incentivos diz José Manuel Caetano, presidente da Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores da Bicicleta (FPCUB) que, entre 3 e 5 de junho, vai promover com a espanhola ConBici, em Barcelos, o congresso ibérico "A bicicleta e a cidade".
Olhando para o que se faz lá fora, Paris surge imediatamente nos discursos dos ativistas como um exemplo de boas práticas. A capital francesa já recorre a uma política de incentivos financeiros à utilização de bicicleta que a FPCUB gostaria de ver em prática em Portugal. A proposta apresentada ao último Orçamento do Estado prevê premiar com 24 cêntimos cada quilómetro pedalado nas deslocações para o trabalho, até um máximo de 600 euros por ano e por pessoa.
As mulheres são as maiores vítimas de furto de bicicletas. Já há grupos organizados de roubos e não se resumem só a Lisboa
Mas José Manuel Caetano acrescenta que França é exemplo, também, na conceção de edifícios de habitação onde, além de garagem para carros, há lugares para estacionar bicicletas ou carrinhos de bebés. "As mulheres são as maiores vítimas de furto de bicicletas. Já há grupos organizados de roubos e não se resumem só a Lisboa", conta o dirigente associativo, para tocar na deficiência que o país ainda apresenta ao nível de parqueamento para veículos de duas rodas.
A isto soma os problemas de segurança na estrada, por insuficiência de sinalética e ordenamento do espaço, inexistência de medidas de acalmia do tráfego, entre outras regras que já são impostas no estrangeiro. "O código da estrada ainda não é o melhor. É preciso fazer cumprir a distância de 1,5 metros entre o carro e o ciclista. E defendo uma coisa que ninguém fala, mas que já figura nos Estados Unidos da América: na aproximação a um peão ou ciclista, o condutor tem de abrandar. É nas passadeiras e dentro das cidades que tem havido mais atropelamentos", refere José Manuel Caetano, sugerindo, neste âmbito, a introdução de mais serviços de bicicletas partilhadas e taxas de entrada de automóveis nos centros das cidades "como já acontece em Londres".
Há um certo elitismo nisto. A classe média/alta é que aderiu à bicicleta
O líder da FPCUB entende que a mudança de paradigma não se faz, também, sem educação escolar para o uso da bicicleta. Além disso, os incentivos teriam ainda de passar pela possibilidade de dedução no IRS de despesas de manutenção das bicicletas e os apoios do Governo à compra de velocípedes, que estão em vigor, teriam de considerar os rendimentos das famílias. "Há um certo elitismo nisto. A classe média/alta é que aderiu à bicicleta. Eu não daria dinheiro para bicicletas elétricas, porque o indivíduo que está desempregado ou ganha o salário mínimo não tem dinheiro para uma bicicleta elétrica que custa sete ou oito mil euros", justifica.
Através do Fundo Ambiental, o Governo disponibilizou este ano 650 mil euros para apoios à compra de bicicletas elétricas e 50 mil euros para as convencionais, mas a Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta (MUBi) alertou, na última semana, que as candidaturas já atingiram o limite. "Com a pandemia, e as pessoas a procurarem um modo de transporte seguro e saudável, a procura da bicicleta disparou", sublinham os ativistas.
Um estudo da Federação Europeia de Ciclistas confirma um aumento de uso de bicicletas nas cidades europeias entre 11% e 48%, durante a pandemia, resultado de investimentos públicos em novas infraestruturas. A organização adianta que no continente europeu se gastou, no último ano, mil milhões de euros para permitir a criação de mil quilómetros de ciclovias e a promoção de medidas para acalmar o tráfego, retirando carros das ruas .
O jornal britânico "The Guardian" escreve que, em Paris, desde a primavera de 2020, estima-se que o ciclismo tenha crescido 70% e os cerca de 50 quilómetros de pistas que seriam temporárias (coronapistas) devem tornar-se definitivos. Em Milão, Itália, há rotas que viram o movimento de veículos de duas rodas aumentar em 122%. A capital portuguesa também seguiu a tendência, com um estudo do Instituto Superior Técnico a apontar um crescimento de 25% na utilização da bicicleta na cidade, de 2019 para 2020, e a quantificar que, na ciclovia da Almirante de Reis, instalada em maio de 2020, esse aumento foi de 140%.
Mulheres são protagonistas na revolução ciclável
Entretanto, um estudo do Centro de Investigação do Território, Transportes e Ambiente que avaliou todos os municípios do país, concluiu que o Porto é o que tem maior potencial para a utilização da bicicleta, seguindo-se Tavira, Beja, Lisboa e Portimão. Já Braga, uma das maiores cidades do país, está em contraciclo, muito distanciada de outras.
Para demonstrar a urgência de medidas que promovam este meio de transporte, a MUBi socorre-se de uma investigação liderada pela Universidade de Oxford, que concluiu que os ciclistas produzem menos 84% de emissões de dióxido de carbono relacionadas com a mobilidade. "E quem muda do carro para a bicicleta reduz as suas emissões em 3,2 quilos por dia", acrescenta a associação.
Sobre a revolução ciclável que está à espreita, José Manuel Caetano destaca o contributo das mulheres. "Posso dizer que 90% dos alunos que aparecem nos cursos [para aprender a andar de bicicleta] são mulheres com mais de 40 anos, classe média/alta, com conhecimento, e que, depois, se tornam ativistas", confidencia o dirigente