Médicos alertam que reabilitação de sobreviventes após tratamento clínico da doença requer mais atenção em áreas como a nutrição e o exercício físico.
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"Quando tive o segundo carcinoma, achei que já chegava de trabalho. Tinha de cuidar de mim". É assim que Odete Carvalho, de 64 anos, recorda o dia em que se despediu do trabalho, há uma década, na Alfândega do Porto. A história com o cancro da mama começou perto dos 50 anos, numa consulta de rotina de ginecologia. Não ficou descansada com a chamada de atenção do médico e contactou o IPO do Porto.
Depois de três carcinomas, a antiga tesoureira faz parte do grupo de mulheres que sobrevivem ao cancro (que são a maioria, quando detetado na fase inicial) embora ainda não se considere "curada". Nem os médicos utilizam a expressão. Gabriela Sousa, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Senologia (SPS), afirma que é necessário "reaprender a viver depois de ter passado pelos tratamentos".
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Apesar de o acompanhamento clínico continuar assegurado nos anos posteriores ao diagnóstico, há áreas "menos objetivas" que os especialistas consideram importantes para a qualidade de vida das mulheres e a que não se dá tanta atenção. São elas a nutrição, a sexualidade, o relaxamento e o exercício físico.
"Os hospitais onde as pessoas são tratadas estão muito focados na parte clínica e científica. Há aspetos que não são devidamente tratados e recaem sobre as associações de apoio à mulher", clarifica José Carlos Marques, também vice-presidente da SPS.
Receio do trabalho
Odete Carvalho, hoje voluntária do Movimento Vencer e Viver da Liga Portuguesa Contra o Cancro - Núcleo Regional do Norte, tem uma vida diferente depois do cancro. "Se calhar, não ligo tanto a coisas fúteis", desabafa. Atualmente reformada, faz exercício físico numa associação. Teve consultas de nutrição, mas percebeu que já cumpria os cuidados na alimentação.
Os receios podem variar consoante a idade das doentes, mas há uma preocupação constante. "Os primeiros cinco anos após o tratamento são sempre o período de maior ansiedade. Há o receio de uma recidiva", diz o médico do IPO de Lisboa.
Já a oncologista Gabriela Sousa acrescenta que as mulheres em idade ativa temem o regresso ao local de trabalho. Um tema para o qual o mercado laboral não está "preparado", defende. "As pessoas esperam ter a ajuda da entidade patronal e dos colegas no regresso, mas isso não passa da fase inicial", diz. Não há redução de horário ou adaptação de tarefas.
Difícil ter consulta
A campanha "Viver Depois do Cancro da Mama" da SPS acontece este mês em que, no âmbito da ação "Outubro rosa", há uma maior sensibilização e apelo ao rastreio e deteção precoce da doença. Mas falta um "guia" sobre o que fazer na vida pós-cancro, dizem os profissionais. Além da falta de médicos de família, que dificulta o acompanhamento das sobreviventes, há áreas que estão "subdimensionadas". "É difícil arranjar uma consulta de nutrição em tempo útil", exemplifica a médica.
A par desta realidade, há pouca informação sobre a que serviços recorrer fora do sistema de saúde. "Muitas doentes voltam aos ginásios onde praticavam exercício físico, mas o aconselhamento nem sempre é o mais adequado", diz Gabriela Sousa. A SPS reúne agora conselhos e orientações numa plataforma online.
Depois de vários tratamentos, entre a radioterapia e a quimioterapia, e uma mastectomia à mama direita, Odete Carvalho continua a tomar medicação. "Tomara suspender", diz ao JN. Faz cinco anos desde o aparecimento do último carcinoma. "Estou controlada, mas não digo curada".