Pais com filhos anteriores em contraciclo. Especialistas alertam para necessidade de olhar para os agregados além do conceito convencional.
Corpo do artigo
As famílias recompostas com filhos anteriores não comuns assumem um peso cada vez maior na natalidade em Portugal. De acordo com os últimos dados, em 2019 respondiam já por 17% do total de nados-vivos, em contraciclo com a contínua quebra da natalidade no nosso país. Obrigando, segundo as especialistas, a um olhar reforçado e dirigido à diversidade interna das famílias.
Os dados são analisados pelas investigadoras Vanessa Cunha, Susana Atalaia e Sofia Marinho no estudo "Intenções de fecundidade nos núcleos parentais jovens", hoje em debate numa conferência promovida pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). E dizem-nos que se em 1995 os pais com filhos anteriores não comuns respondiam por 7389 nascimentos, agora, em 2019, mais do que duplicaram, para os 14 824. Em causa, explique-se, casais coabitantes que trazem para a relação filhos anteriores de um ou de ambos.
Realidade complexa
"Existe mais família para além da convencional que os Censos mostram. A complexidade da vida familiar é hoje tão grande que é difícil olhar só para o agregado sem ver a realidade que se estende a filhos ou enteados, mas que já não são residentes ou vivem com o outro progenitor", explica, ao JN, Vanessa Cunha. Tanto mais que, diz a socióloga especializada em Sociologia da Família, estudos internacionais mostram que apesar de, à partida, o divórcio "parecer um prejuízo dos projetos parentais", na verdade "potencia alguma recuperação da fecundidade".
Com padrões definidos: a intenção de parentalidade é tanto maior quanto menor for o agregado, quanto mais pequenos forem os filhos anteriores e quanto mais jovens forem os casais (30-39 anos). Com uma maior predisposição por parte do homem, na medida em que, afirma a investigadora, nas famílias recompostas, "em regra, um dos elementos, o homem, não leva os filhos que tem para o agregado e vai numa qualidade de padrasto". De acordo com o inquérito da fecundidade de 2019 do INE, apenas 39,7% dos homens viviam em núcleos recompostos com filhos comuns.
"Constelações" da vida familiar que não estão a ser tidas em conta, criando "situações de alguma injustiça relativa entre tipos de família", frisa a socióloga. Sendo que os Censos em curso, vinca, são uma oportunidade perdida para melhor se conhecer a dimensão destas "novas formas de viver a conjugalidade".
Alertando as investigadoras no estudo em questão que "esta crescente fluidez e informalidade da vida familiar constitui um autêntico desafio para a análise demográfica, que cada vez mais tem dificuldade em captar as transições familiares não registadas por atos oficiais". Como sejam, por exemplo, a "existência de famílias monoparentais que estão em conjugalidade não coabitante".
Saber mais
56,8%
Portugal assume, hoje, a dianteira da Europa do Sul, com 56,8% dos nascimentos fora do casamento. Em 2020, respondia por 22,2%.
46,5% dos residentes em idade reprodutiva viviam com filhos e/ou enteados. Destes, 83,8% pertenciam a núcleos com pelo menos um filho menor.
Monoparentalidade
O inquérito à fecundidade do INE mostra que os "homens viviam mais em conjugalidade do que as mulheres, seja em "casais simples" seja em recomposição familiar, e as mulheres vivam mais em situação de monoparentalidade".
Intenção parental
Entre os fatores preditores, ter entre 30-39 anos, ter um filho biológico e filhos não residentes e um rendimento disponível superior a 700 euros.