Filipe Duarte Santos, especialista em alterações climáticas, alerta para a urgência de mudar paradigma energético.
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Mais ondas de calor, mais secas, mais inundações. Filipe Duarte Santos é perentório: ou procedemos a uma transição energética ou... não temos outro planeta para onde ir. E a drástica redução de emissões devido à pandemia pouco afeta o clima. Simplesmente porque a concentração na atmosfera continua a subir. Menos, mas sobe.
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Uma subida da temperatura de 1,5ºC/década e uma descida da precipitação de 20 milímetros. Como ler estes dados?
São dados esclarecedores. Na temperatura importa esclarecer que o aumento é mais baixo do que à escala global, na média dos 0,5º C. Em 50 anos estamos a falar de um aumento de 1,5ºC, é brutal. Quer dizer que estaríamos em 2070 com um aumento de 2,5ºC. Em relação à precipitação, as notícias não são boas, com secas mais frequentes e tendência para chover menos, sobretudo no sul do país.
Num país pequeno, assistimos, no entanto, a uma grande variabilidade.
Há um gradiante de precipitação muito grande. Há uma diferença muito grande no norte e no sul do país. Por exemplo, na serra do Gerês temos, em média, 1800 milímetros por ano. É uma quantidade enorme. Mas, depois, em algumas zonas do Alentejo temos precipitações na ordem dos 500 milímetros, que são valores muito baixos. Num território que não é muito extenso.
Os fenómenos climatológicos extremos tornam-se agora mais frequentes.
Os que preocupam mais são as ondas de calor que, conjugadas com a seca, podem ser muito gravosas no nosso país, devido ao risco de incêndio florestal.
Depois, temos as inundações.
Exato, sobretudo no norte do país, mas no sul também acontece. Ainda recentemente, na costa mediterrânea de Espanha, em Múrcia e Alicante, zonas de precipitação baixa, tivemos aquela chuvada toda, com vítimas mortais.
A pandemia parece ter dado tréguas à Natureza, com uma redução drástica das emissões de dióxido de carbono (CO2). Uma ajuda no combate às alterações climáticas?
Tem-se falado bastante sobre isso. As estimativas da Agência Internacional de Energia apontam para que as emissões de CO2 para a atmosfera em 2020 sejam 8% inferiores às de 2019. É um valor brutal, são 2,6 mil milhões de toneladas de CO2. Simplesmente, isto não afeta o clima, afeta muito pouco.
Como assim?
Porque o que interessa é a concentração de CO2 na atmosfera. As estimativas são, de certo modo, dececionantes. O que estava previsto era que a concentração de CO2 na atmosfera subisse, em 2020, 2,8%. Devido à pandemia subirá 2,41%.
Uma quebra tão forte nas emissões só tem esse impacto na concentração?
Imagine uma piscina que tem uma torneira. Se reduzirmos o débito em 8% a piscina continua a encher. O nível de água só deixa de subir quando fechar a torneira. É dececionante. Não temos outro planeta para ir.
Mas, e o Acordo de Paris?
Para cumprirmos o acordo tínhamos de reduzir as emissões, durante esta década, 6,5% todos os anos. Aí, a concentração estabilizaria nos 450 ppmv (parte por milhão em volume). Atualmente, estamos nos 412 ppmv. Todos os anos tem aumentado. E é preciso ter em conta que a temperatura só estabiliza passadas umas décadas da estabilização da concentração.
Um cenário utópico.
Exatamente. Ou modificamos o paradigma energético de forma significativa ou então os meus netos e os seus filhos vão ter um Mundo que não recomendo.