Frédéric Vallier: "Há espaço em Portugal para um nível intermédio de governação"
O tempo em que os países eram geridos a partir da capital "já acabou". Frédéric Vallier, secretário-geral da maior organização de governos regionais e locais da Europa, nota que os países mais desenvolvidos são também os mais descentralizados e recusa os dois principais argumentos dos opositores da regionalização: que Portugal é demasiado pequeno e que as regiões administrativas abrem a porta a mais corrupção.
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Qual é o modelo de organização do Estado mais comum na Europa?
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O modelo de três níveis de governação é algo normal na Europa. A maior parte dos países tem o primeiro nível, de municípios; um segundo, de regiões ou de províncias; e um terceiro, o Estado central. Para a maioria dos países de pequena e de média dimensão, como Portugal, o normal é ter municípios, regiões e o Estado central.
É por razões históricas que a maioria tem regiões
Sim, em parte, mas o desenvolvimento de regiões é recente. No século XIX, países como a Alemanha ou a Itália foram construídos como uma federação de estados que já existiam. Mas em França, a primeira definição de regiões data da Segunda Grande Guerra e, nos anos 80, ganharam poder real, com o processo de descentralização de Mitterrand. O desenvolvimento da política regional europeia também levou muitos países a criar esse nível de governação. Nos anos 80 e 90, sentia-se que o nível regional seria o apropriado para receber fundos de coesão e apoio ao desenvolvimento.
Por que razão Portugal não participou neste movimento?
Porque houve um referendo! Eu acredito na participação dos cidadãos, mas um referendo talvez não seja a melhor forma de tomar estas decisões. As regiões são valiosas para o desenvolvimento económico e para assuntos que devem ser organizados a um nível territorial relevante. Em países descentralizados, como o norte da Europa ou a Alemanha, a Educação ou a Saúde, as infraestruturas e o desenvolvimento regional costumam ser geridos pelas regiões.
No global, as regiões são um caso de sucesso?
Sim, podemos dizê-lo. É sempre necessário refletir sobre o melhor nível para desenvolver políticas. Veja a Escandinávia ou a Alemanha: é claro que os processos de descentralização foram um sucesso! Todos aceitam que países mais descentralizados são mais desenvolvidos, mas não temos prova científica. Por isso, vamos iniciar um estudo sobre a ligação entre o nível de desenvolvimento social e económico de um país e o nível de descentralização.
Portugal é demasiado pequeno para ter regiões?
Não o diria, não. Há espaço em Portugal para um nível intermédio de governação. Até 1974, Portugal esteve sob uma ditadura e o que é mais centralista do que uma ditadura? É um processo longo, para que a Administração Central aceite que outros podem fazer melhor.
Melhor e mais barato?
Nem sempre é esse o caso, mas com maior eficiência. Quando as coisas são feitas com maior ligação ao território, são mais eficientes. É mais barato? É difícil dizer. Recentemente, a Holanda aprofundou a transferência de competências para o nível local e regional, com um financiamento 20% inferior. Os holandeses provaram que funciona: com menos dinheiro fazem os serviços com o mesmo nível de capacidade. O argumento não deve ser o custo, mas ser mais eficiente pelo mesmo preço.
Como se convence um Governo a abdicar de poder?
Esse é o problema. Exige coragem aos políticos, o entendimento de que as coisas se fazem melhor em proximidade. E precisa de ser acompanhado por um reforço de capacidade.
É válido o argumento de que as regiões abrem a porta à corrupção?
Por que é que as regiões haveriam de ser mais corruptas? Se os políticos estiverem mais próximos do território e dos cidadãos, é mais fácil controlá-los. E é responsabilidade dos cidadãos não eleger corruptos. Os estudos mostram que há mais corrupção em estados centralistas do que em estados descentralizados.
Faz diferença se os líderes regionais forem eleitos ou indicados pela capital?
É muito diferente. Ter líderes nomeados pelo Estado não é descentralizar, é desconcentrar poder. Foi isto que aconteceu em França antes da regionalização. Se forem eleitos, são responsáveis perante os cidadãos; se forem indicados pelo Estado, serão responsáveis perante o Estado. E isso faz muita diferença. Nós queremos, em definitivo, que os líderes regionais e locais sejam eleitos por voto universal.
Que recomendação daria a Portugal?
Defendemos uma parceria entre diferentes níveis de governo. Se a quisermos construir, precisamos de ter governos locais e regionais com capacidade para ter o mesmo nível de responsabilidade do que o Governo central. O tempo em que tudo era decidido na cidade capital e tinha de ser implementado por outros já acabou. Temos o exemplo recente da Proteção Civil em Portugal. Talvez fosse melhor gerir no território, permitiria saber onde alocar recursos, melhor do que a partir de Lisboa. Se a administração estiver concentrada na capital, vai sempre favorecer o desenvolvimento da capital, em detrimento do resto do país.