Presidida por Carlos Calhaz Jorge, tem até junho para apresentar anteprojecto. Por lei, diploma já devia ter sido publicado em janeiro
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O Ministério da Saúde criou, no final da passada semana, uma comissão de peritos com a missão de apresentarem, até 30 de junho, uma proposta de regulamentação da gestação de substituição, aprovada em meados de dezembro após o aval do presidente da República. De acordo com a alteração à lei da Procriação Medicamente Assistida (PMA), a regulamentação deveria ter sido publicada 30 dias após a publicação da lei a 16 de dezembro do ano passado.
A Comissão de Regulamentação é presidida por Carlos Calhaz Jorge, membro do Conselho Nacional de PMA (CNPMA) e presidente da Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia. Sendo ainda composta pelo presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução, Pedro Xavier; pela diretora da Unidade de Medicina da Reprodução do CHLUN, Ana Sá Cabral; pela embriologista clínica Ana Luísa Sousa Ramos; e pelo jurista Eduardo Vala Chagas.
Ao JN, a presidente do CNPMA, Carla Rodrigues, considera o prazo de 30 dias "indicativo", na medida em que é preciso "um prazo razoável para as pessoas reunirem, ouvirem entidades, decidirem e elaborarem uma proposta de regulamentação". Contudo, com a tomada de posse e a aprovação do Orçamento do Estado, antevê que entre a publicação da alteração legislativa e a sua aplicação prática possa decorrer quase um ano. "É lamentável. O que a Assembleia da República (AR) queria fazer era não atrasar mais o processo, mas vai tomar posse uma nova AR e isto, infelizmente, não está resolvido".
Sendo que, sublinha, enquanto não sair a regulamentação não é possível celebrar contratos de gestação de substituição. "Neste momento não é possível fazer coisíssima nenhuma. Nem sequer receber processos". Revelando Carla Rodrigues ao JN que o CNPMA, a quem, por lei, compete a autorização prévia aos contratos, "tem recebido contactos de beneficiárias", tendo "pessoas à espera".
Arrependimento até ao registo
Em causa, recorde-se, a alteração legislativa que regula a PMA, após o Tribunal Constitucional ter declarado inconstitucionais uma série de normas, nomeadamente no que à gestação de substituição diz respeito. Assim, a gestação de substituição passa agora a estar limitada exclusivamente a cidadãos nacionais e a estrangeiros com residência permanente no nosso país, sendo que a gestante de substituição "deve ser, preferencialmente, uma mulher que já tenha sido mãe". No que ao arrependimento diz respeito, a gestante pode fazê-lo até "ao momento do registo da criança nascida", que tem que ser feito até 20 dias após o parto.
De acordo com a alteração do regime jurídico, a celebração de contratos "carece de autorização prévia do CNPMA, entidade que supervisiona. Autorização essa que "é sempre antecedida de audição da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos". Explique-se que a gestação de substituição só é admissível a título excecional e gratuito nos casos de "ausência de útero, de lesão ou doença deste órgão ou outra situação clínica que impeça de forma absoluta e definitiva a gravidez da mulher".
Decisão do Constitucional
A alteração do regime jurídico aplicável à gestação de substituição decorre do chumbo, em 2018, pelo Tribunal Constitucional, de seis normas da lei da PMA, de 2006, após um pedido de fiscalização feito por 30 deputados do CDS-PP e do PSD. Nomeadamente, o fim do anonimato dos dadores de gâmetas e o facto de o direito ao arrependimento das gestantes estar limitado até ao início dos tratamentos de PMA. Norma entretanto alterada pelo deputados, podendo agora a gestante revogar livremente o seu consentimento até ao registo da criança. Na altura, "em sinal de protesto", o juiz-desembargador Eurico Reis, então presidente do CNPMA, apresentou a demissão do cargo.
A decisão do Tribunal Constitucional, refira-se, assegurou os tratamentos que à data haviam sido já autorizados. No caso da gestação de substituição, tinham sido autorizados dois processos pelo CNPMA. O primeiro, em setembro de 2017, de uma avó, de 49 anos, autorizada a gerar o neto, após a filha ter ficado sem o útero devido a endometriose.