Entrevista do JN a Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente e da Ação Climática.
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As medidas para controlar os preços da energia marcaram o primeiro ano de governação e o ministro do Ambiente assegura que o país está prestes a colher o contributo dessa parcela para moderar a inflação. No plano da eficiência energética, promete lançar até junho novo aviso de 120 milhões de euros para abranger as famílias deixadas de fora na primeira fase. E este será também o ano de estudar uma redução de preço no carregamento que torne verdadeiramente atrativo o carro elétrico. Quanto à crise política, Duarte Cordeiro afasta esse mau clima e culpa a direita - tanto a radical como a moderada - pela criação de incerteza.
Anunciou recentemente que os investimentos previstos em energia serão de pelo menos 60 mil milhões até 2030, cerca de metade em eólicas offshore. Tendo em conta que estamos a dar os primeiros passos neste segmento, a estimativa poderá ser excessivamente otimista?
Pelo contrário, é uma perspetiva bastante realista. Cabe-nos agora tentar concretizar todos estes sinais e intenções de investimento. Grande parte assenta na capacidade de o país ter sucesso no leilão offshore de 10 gigawatts. O restante diz respeito à capacidade de substituir eólica por eólica mais potente, licenciarmos solar, concretizarmos o plano de hidrogénio verde. Estamos a falar de 25% do PIB nacional, que vai ter um impacto brutal e criar oportunidades de emprego. O futuro do país assenta muito na nossa capacidade de, a partir do investimento verde, incentivar toda a economia. Se olharmos para o último ano, a guerra veio criar-nos várias pressões. Uma foi a necessidade de perceber que tínhamos de reduzir o consumo de gás.
Outra necessidade era controlar os preços da energia.
Tivemos preços recorde de gás e de eletricidade. E a terceira era acelerar na capacidade do país de ter energia renovável mais barata. Se olharmos para o primeiro objetivo, conseguimos reduzir o consumo de gás em cerca de 16% a 17%. No segundo, tivemos uma redução de preços de 4,4%. Quanto à aceleração das energias renováveis, em 2021 tínhamos 1,7 gigawatts de solar e conseguimos acrescentar no último ano mais um gigawatt, metade dele em autoconsumo. Temos um objetivo de chegar ao final do mandato com 80% da eletricidade produzida com fontes renováveis. Em janeiro, fevereiro e março tivemos 75%. Como é que conseguimos manter isto ao longo de todo o ano? Com o projeto do eólico no mar e com o solar.
As eólicas no mar têm originado conflitos com o setor das pescas, que receiam o "deserto oceânico" nos 320 mil hectares propostos. O Governo tem segurança em relação a este eventual impacto?
Identificámos zonas do país que entendemos que se adequam para a produção de energia eólica no mar e representam 0,7% da nossa zona económica exclusiva. Colocámos em discussão pública exatamente para todos os setores, o setor pesqueiro, os ambientalistas poderem pronunciar-se. A discussão pública tem de valer de alguma coisa. Vamos, obviamente, ter em consideração muitas das opiniões que estão a ser dadas e vamos procurar ajustar o mapa para manter o nosso objetivo estratégico, que é ter 10 gigawatts de capacidade eólica no mar.
O primeiro-ministro considera "tímida" e "muito aquém das necessidades" a proposta de reforma do mercado de eletricidade da União Europeia. Há expectativas de aprofundar esse trabalho, nomeadamente na separação do mercado da eletricidade e do gás?
Entendemos que uma das seguranças determinantes é apostar numa maior previsibilidade no que diz respeito aos preços e, portanto, estabelecer metas para a contratação a prazo que permite criar estabilidade de preço. Um dos aspetos que fez com que o nosso país tivesse maior capacidade de resistir à escalada de preços em termos energéticos foi exatamente termos uma proporção de energia a prazo superior a outros países. Outro aspeto muito importante é a capacidade de intervenção em momentos de crise. Nós criámos soluções extraordinárias, como o mecanismo ibérico, que nos permitiram desacoplar o preço do gás do preço da eletricidade quando o preço do gás disparou. Não dar oportunidade aos países, de forma mais rápida, mais autónoma, de intervir no mercado da eletricidade quando fenómenos destes podem voltar a repetir-se é não aprender com os erros.
Mas tem alguma expectativa de que haja capacidade de negociar essa visão?
Nos conselhos de ministros de Energia temos tido uma participação ativa, temos posições que são acompanhadas por muitos outros países.
É sobretudo Portugal e Espanha?
Não, na parte do desacoplamento dos preços do gás e da eletricidade há mais países a defender essa mesma posição, países do Norte da Europa. Portugal e Espanha têm aqui uma autoridade um pouco superior porque conseguiram aplicar no seu mercado com sucesso um mecanismo ibérico que é um seguro para garantir que, se por acaso dispararem os preços do gás no período de reabastecimento das reservas para o próximo inverno, temos vários instrumentos de intervenção de preço. Neste momento temos tido reduções de preço de cerca de 23%. O que é que isto dá? Dá uma enorme previsibilidade ao nosso setor industrial que depende do gás. No mercado liberalizado, como tem sido notícia, temos hoje muitas vezes um recorde de preços mínimos dos últimos nove anos. E no mercado regulado tivemos uma redução de preço de 3% no mês de abril. Portugal soube reduzir os preços da energia.
Ainda assim, continuamos com preços dos alimentos a subirem acima da média.
A energia está na cadeia de produção e muitas vezes hoje ainda estamos a lidar com produtos que pagaram o preço de energia lá atrás. Há um efeito que não é imediato. Portanto, vai ter um efeito necessariamente de redução dos preços um pouco mais à frente. Isto importa porquê? Porque dá confiança às pessoas. O que marcou este primeiro ano do Governo foi o facto de ter existido a guerra e as consequências da guerra na vida dos portugueses. E a verdade é que as políticas adotadas estão a produzir efeitos.
Vai haver um reforço de verbas do PRR para vários projetos de Ambiente. Qual é a área em que a reprogramação vai ter mais impacto?
Há um tema em que tivemos muito sucesso e que criou uma expectativa das famílias de que pudéssemos lançar um novo apoio: foi no que diz respeito à eficiência energética. Posso garantir que até ao final de junho vamos lançar novo aviso de outros 120 milhões de euros, exatamente como o primeiro. Vamos melhorar um pouco e focar-nos mais em medidas de isolamento. Depois temos outros projetos de eficiência energética. Temos eficiência energética nos serviços, nas pequenas empresas, que fizemos um aviso de 40 milhões e temos a expectativa agora que esta reprogramação permita compensar todos aqueles que não foram apoiados no primeiro aviso.
Vai haver processos em que automaticamente quem já se candidatou poderá ser abrangido?
Exatamente.
Com o verão a aproximar-se, que medidas de gestão de consumo de água estão a ser preparadas?
Olhamos para o último boletim da APA relativamente às nossas albufeiras e na generalidade do país temos 81% da capacidade de volume total de armazenamento. Mas depois, se formos ao detalhe, percebemos que temos problemas em algumas zonas do país. O IPMA veio recentemente dizer-nos que 48% do nosso território já está em seca e, portanto, marcámos, eu e a minha colega, a senhora ministra da Agricultura, uma reunião da Comissão Interministerial de Seca para o dia 20, para perceber medidas de contingência que podemos ter de aplicar. Importa dizer que, independentemente das tais medidas de contingência, o país está melhor do que estava o ano passado, mas temos de ser preventivos e aprender com o que vivemos.
No ano passado chegou a abordar a questão do preço da água. É favorável a um agravamento do preço em concelhos com menos recursos ou quando os consumos são elevados?
O que acabámos por sugerir no ano passado, em alguns territórios que estavam sob profundo stresse hídrico, era criar um regulamento tarifário que diferenciasse as famílias dos grandes consumidores de água. Continuamos a recomendar esta política tarifária.
Isso implica, nomeadamente, outra visão do uso da água na agricultura?
Implica, mas é uma inevitabilidade. Temos de nos habituar a prever o nosso desenvolvimento em função dos recursos que temos disponíveis e dos custos a que esses recursos nos chegam. Não podemos acreditar que temos um desenvolvimento sustentável quando o baseamos em perspetivas de preço e disponibilidade de recursos que não existem. A água tem se ser vista como um recurso escasso, cujo tratamento, cujas infraestruturas, cujas novas fontes exigem custos, que se têm de traduzir necessariamente em quem os usa. E não podemos penalizar as famílias. Temos de penalizar e temos de procurar que os grandes consumidores de água se adaptem, se tornem mais eficientes.
Muito poucas autarquias avançaram com experiências de acordo com o princípio do poluidor-pagador. O que pretende o Ministério fazer para premiar quem incentiva a reciclagem?
Recentemente aprovámos a Estratégia Nacional dos Resíduos Urbanos e já apontamos um conjunto de caminhos. Vamos devolver aos municípios cerca de 30% da tarifa se apresentarem ao Fundo Ambiental o investimento que estão a fazer na reciclagem de biorresíduos. Outro tema muito justo é que há muitos anos não é atualizado o valor de contrapartida pago pelos produtores de resíduos. Se esse valor for atualizado, necessariamente também baixará o custo de tratamento dos municípios. Em terceiro lugar, vamos procurar alinhar os investimentos comunitários, que agora vão ser regionalizados e geridos pelas CCDR, que permitam atingirmos os objetivos do ponto de vista dos resíduos. Não escondo que estamos muitíssimo atrasados nestes objetivos.
Quando é que vai avançar o sistema generalizado de pagamento de taras nas garrafas de plástico?
Vamos, em breve, apresentar uma iniciativa legislativa. Vamos criar esse sistema generalizado de depósito com retorno, que vai ter um único operador nacional. O projeto-piloto com as autarquias tem tido muito sucesso e acreditamos que este ano finalmente trataremos da parte da atribuição da licença para nos próximos anos haver esse investimento generalizado.
Temos um parque automóvel muito envelhecido e o setor continua a reclamar incentivos ao abate. Admite repor o incentivo?
O nosso compromisso com o transporte público é muito significativo, ainda agora na reprogramação colocámos um grande investimento em Braga que não estava no PRR, o BRT de Braga, e garantimos que ele é executado até ao final de 2026. Temos investimentos muito significativos no metro de Lisboa e no metro do Porto. E queremos reavaliar os incentivos da mobilidade elétrica. À semelhança do que acontece noutras áreas da promoção do consumo adequado, talvez avancemos para uma lógica de redução da tarifa de eletricidade e, futuramente, de hidrogénio nos transportes, em vez de continuar a investir em equipamentos. Este ano vamos manter os apoios nos mesmos termos, mas avaliaremos se não faz sentido começarmos a ter, sim, uma diferença grande entre o consumo de eletricidade para automóvel e o combustível fóssil.
Vão reduzir a tarifa?
Estamos a analisar se faz mais sentido continuar a apoiar os automóveis ou reduzir a tarifa de forma significativa, criando um incentivo por via da comparação. Para criar uma diferença grande com os combustíveis fósseis.
No metro do Porto, o aumento do preço na ordem dos 30% é um dos pontos críticos. O adicional vai ser integralmente suportado pelo Orçamento do Estado?
A fonte de financiamento não é exclusivamente o PRR. Tivemos no passado o PO SEUR, vamos ter agora o PT2030. Se não tivermos o PRR, vamos mobilizar investimento do Orçamento do Estado para completar estes investimentos.
O Governo tem vivido em clima de crise política e, esta semana, voltámos a ouvir o presidente da República comentar o cenário de dissolução do Parlamento. Teme que seja difícil a esta equipa cumprir a legislatura?
Quem hoje não está comprometido com a estabilidade não pode amanhã ter legitimidade a fazer qualquer apelo para a estabilidade. Se nós temos erros, eles são corrigidos. As pessoas têm todo o direito, obviamente, nas futuras eleições, de não votar no Partido Socialista, mas os mandatos devem ser avaliados pelo seu período. Não podemos, independentemente de haver uma ou outra situação que mereça a nossa crítica, que mereça correção, até que mereça apuramento de responsabilidades políticas, confundir isso com o normal funcionamento das instituições, com o normal funcionamento dos mandatos ou com o compromisso que o país precisa de ter com a estabilidade para poder ter resultados a médio e longo prazos. Isto é válido para a direita moderada, que é altamente influenciada pela direita radical. Muitos destes episódios resultam de uma direita radical, seja a Iniciativa Liberal ou a extrema-direita do Chega, com apelos a demissões para qualquer episódio que aconteça, no início ou no fim do processo.
Ouça a entrevista completa este domingo ao meio-dia na TSF