Em Portugal há cinco consultas de luto prolongado, uma por cada ARS. Projetos-piloto estão orientados para casos mais graves, mas há hospitais com propostas diferentes.
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A preocupação com a dor de quem perde entes queridos é cada vez maior, por isso há um número crescente de hospitais com consultas de luto. Os centros de referência para a intervenção no luto prolongado são o Centro Hospitalar Universitário de São João (CHSJ), o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC), o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, a Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo e o Centro Hospitalar Universitário do Algarve. Mas há outros hospitais que também atuam nesta área, como o Hospital Senhora da Oliveira - Guimarães (HSOG), ou o Garcia de Orta, em Almada. E o Hospital de Braga pretende implementar uma consulta de luto no próximo ano.
O olhar da medicina sobre o luto mudou muito nos últimos 70 anos. Em 1952, quando foi publicado o primeiro DSM (Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais), não havia qualquer referência ao luto. Em 1980, passou a figurar nas condições não atribuíveis a transtornos mentais que merecem atenção clínica. Mais recentemente, o luto aparece como um transtorno, com critérios para diagnóstico.
Maioria ultrapassa a dor
A psiquiatra Zulmira Santos, coordenadora da consulta de luto prolongado do CHUC, lembra que "a maioria das pessoas ultrapassa a dor da perda, com o suporte da família, dos amigos e da comunidade onde está inserida". Os centros de referência, existentes desde 2018, assentam a sua ação na norma da DGS que estipula o Modelo de Intervenção Diferenciada no Luto Prolongado em Adultos. Estes centros estão orientados para o "tratamento do quadro clínico de perturbação de luto prolongado".
Segundo Eduardo Carqueja, psicólogo responsável pela consulta de luto do CHSJ, apenas 20% das pessoas fazem lutos prolongados: o critério aponta para a persistência do quadro além dos seis meses. "Mas há um crescendo de sensibilidade que faz com que vejamos pessoas que não cumprem exatamente estes critérios, mas que reúnem fatores que podem complicar o luto", aponta.
Segundo Zulmira Santos, os fatores de risco que predispõem para um luto prolongado são tratar-se da morte de um filho jovem ou a morte inesperada em geral; a morte violenta; não assistir às cerimónias fúnebres; não ver o corpo; a idade avançada da pessoa enlutada; as relações de dependência; a sensação de não se ter despedido e não ser informado das circunstâncias da morte.
Atuar preventivamente
No hospital de Guimarães, a consulta de luto funciona de forma integrada com a equipa de cuidados paliativos. O objetivo é atuar preventivamente nas situações em que há fatores que podem conduzir a quadros patológicos. Os cuidadores de doentes terminais são o alvo frequente desta intervenção. É o caso de Maria José Silva que, desde há quase 10 anos, ocupa os seus dias a tratar do marido.
Deitado numa cama hospitalar colocada na pequena sala da casa, há muito João Silva deixou de reconhecer a mulher, embora ela trate dele permanentemente. "Estou exausta, é muito cansativo", desabafa. "Estas meninas foram o melhor que me podia ter acontecido", atesta, enquanto aperta a mão de Marta Figueiredo, psicóloga do HSOG.
Enquanto a psicóloga conversa com Maria José, a médica Celeste Gonçalves e a enfermeira Raquel Oliveira ocupam-se do doente.
"Conversamos muito. Estava muito cansada e não queria dizer aos meus filhos", confessa. Maria José foi referenciada como uma pessoa que deverá passar por uma experiência de perda que pode evoluir para um luto patológico, pela idade e pela exaustão. "Foram quase 50 anos de um casamento muito feliz, mas os últimos anos foram muito difíceis", reconhece. Uma das paredes da sala está coberta de fotografias de tempos mais felizes, quando os filhos estavam a crescer e o marido era saudável, e também dos netos. Quando chegar a hora, Maria José passará para a consulta de luto individual no hospital e depois para consulta de grupo. O que se pretende é que consiga enfrentar uma perda, que é inevitável, da melhor maneira.
Luto não deve ir além dos 6 a 12 meses
Como cada um de nós pode ajudar a pessoa em luto?
Logo após a perda, estando ao lado da pessoa, ajudando nas necessidades básicas e na resolução de problemas. Oferecendo suporte para que a pessoa esteja presente nas cerimónias fúnebres, veja o corpo, se despeça e acompanhe o ente querido até "à última morada". Permitir o choro e outras reações mais intensas. Os rituais de luto existem em todas as comunidades e culturas e em todas as épocas históricas e têm como principais objetivos honrar uma vida que deixou de existir e que, de alguma forma, passou pelas nossas vidas e confortar os que sofrem a perda.
O que é que se considera um luto prolongado?
Uma pequena parte das pessoas em luto desenvolvem sintomas que conduzem a uma incapacidade funcional e emocional para gerir a sua vida e estabelecer objetivos. Quando a resolução do luto se torna mais difícil em termos da intensidade das reações emocionais e do impacto negativo na funcionalidade pessoal ou social, ou se apresenta em comorbilidade com outras patologias psiquiátricas (sendo as mais frequentes a reação depressiva, patologia de ansiedade, ideação suicida e abuso de álcool), os suportes psicológico e psiquiátrico devem ser acionados para que a resolução do luto não se torne prolongada. Segundo as classificações das doenças mentais, não deve ir além dos 6 a 12 meses.
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Acesso é difícil
Para Eduardo Carqueja, do CHSJ, há um problema de acessibilidade ao apoio psicológico. "Com apenas 250 psicólogos no SNS, é impossível cumprir com o direito, consagrado na lei, que prevê uma consulta cinco dias após a morte, nas situações de falecimento de descendentes ou afins no 1.o grau da linha reta", alerta.
Projeto parado
Em 2018, o Governo criou uma comissão para acompanhar a implementação da intervenção diferenciada no luto prolongado. O mandato da comissão expirou em dezembro de 2019 e o projeto não foi além das atuais cinco consultas-piloto.