Começou por cuidar do pai e depois da mãe, com quem vivia. Teve acompanhamento psicológico ainda antes da sua morte.
Corpo do artigo
Todo o chão em que assentava o mundo de João Alberto Silva começou a ruir em 2013. Acabado de entrar na casa dos 40, sabia que os pais, com quem partilhava o apartamento de habitação social, no bairro da Conceição, em Guimarães, não eram novos. Mas nada o preparava para ficar sem eles, em menos de uma década. Durante este período, além de ter de encaixar o desgaste emocional da perda, teve de lidar com a questão prática de ser o cuidador dos pais. "Foi um período terrível: além de perder o meu pai e minha mãe, naquela altura o meu irmão divorciou-se e tive uma prima que se suicidou", relembra.
A sucessão de más notícias começou por uns exames de rotina em que se descobriu que o pai tinha cancro no estômago. Nos primeiros tempos, começou por fazer tratamento e havia alguma esperança de que o problema se podia resolver. "A situação complicou-se depois da cirurgia, em que os médicos descobriram aquilo que não gostávamos de saber".
A condição do pai era pior do que se esperava: o cancro tinha metástases. "A partir desse momento foi uma queda brutal". Com a mãe idosa, João tornou-se no cuidador de um doente terminal. "Às vezes, quando as noites eram complicadas, dizia-lhe: "descanse um bocadinho, senão a gente também não dorme"", recorda. Com a morte do progenitor, mãe e filho ampararam-se mutuamente. Passaram a ser só os dois em casa. João tem dois irmãos, um está na Suíça e o outro, por aqueles dias, estava em França.
Menos de três anos passados, o azar voltou a bater-lhes à porta. A mãe andava cansada, tinha dificuldade em subir escadas. Foi ao médico e descobriu que tinha um cancro nos pulmões.
"Ela nunca fumou, calhou-lhe", queixa-se. "No caso do meu pai foi mais fácil, passaram-se quase dois anos desde que soubemos, houve tempo para nos prepararmos. O caso da minha mãe foi fulminante, durou poucos meses". A relação entre mãe e filho, que já era próxima, estreitou-se com os cuidados constantes. "Ser bombeiro e motorista de ambulâncias ajudou-me com muita coisa que tive de fazer", conta.
A Equipa de Cuidados Paliativos Continuados do Hospital Senhora da Oliveira conheceu João no período em que a mãe estava acamada e já em estado terminal. À partida, João não era o alvo dos cuidados, mas passou a estar referenciado como uma pessoa com fatores de risco para desenvolver um luto complicado.
"Era um cuidador que tinha enfrentado a perda de duas pessoas muito próximas, com as quais vivia, num espaço de tempo muito curto", esclarece Gerly Macedo, psicóloga, responsável pela consulta de luto do HSOG.
A intervenção pelos psicólogos dos cuidados paliativos começou ainda antes da morte da mãe. "Estas situações são altamente exigentes para os cuidadores que têm de aprender muito depressa. As pessoas tornam-se autonegligentes, não identificam os seus próprios sinais de sofrimento", explica a psicóloga.
"A morte deve ser preparada e cuidada como a chegada de uma nova vida", defende Gerly Macedo. É essa preparação que os psicólogos dos cuidados paliativos fazem. João admite que foi muito importante ter alguém que o ouvisse numa primeira fase. Depois da morte da mãe, já na consulta hospitalar de grupo, "percebi que não estava sozinho naquele sofrimento e isso ajudou a acalmar a dor".