Há cada vez mais vítimas de acidentes com trotinetas elétricas a chegar aos hospitais centrais de Lisboa e do Porto. O número de sinistros, registados pelas autoridades policiais, agiganta-se de ano para ano e é apenas a ponta do icerbergue, pois boa parte dos acidentados não faz participação nem possuiu seguro.
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Entre 2019 e 2021, a GNR e a PSP dão conta de 507 acidentes, que feriram 489 tripulantes em todo o país. Já no primeiro semestre deste ano, os militares da GNR (ainda não há dados da polícia) contabilizam mais sinistros do que no ano passado e quatro vezes mais do que na primeira metade de 2021. Porém, só o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (CHULC) prestou assistência a cerca de 1200 pessoas em 2019 e em 2021. Este ano, a unidade chegará a 31 de dezembro com mais de mil vítimas assistidas.
O diretor do Centro de Responsabilidade Integrado de Traumatologia Ortopédica do CHULC, o único do país e que serve uma população superior a quatro milhões de pessoas, garante que este "novo tipo de acidentes", com trotinetas, bicicletas e skates, "tem evoluído de forma crescente". João Varandas Fernandes, cuja equipa está a elaborar um estudo inovador sobre a caracterização e as sequelas das vítimas assistidas naquela unidade, especifica que, do total de pessoas tratadas, 45% resultam de deslocações em trotinetas elétricas, 25% em skates e em bicicletas e 25% em motos.
"Calculamos que haja cerca de 90 casos por mês" e o registo de situações cresce nos meses de agosto e de setembro. Foi assim em 2021 e está a repetir-se este ano. "A média de idades ronda os 32 anos e são, sobretudo, homens: 65% das vítimas de acidentes com trotinetas elétricas são do sexo masculino e 35% do feminino", especifica o especialista, sublinhando que, entre as lesões mais frequentes, se destacam "fraturas muito complexas nas pernas", em particular nos joelhos e nos tornozelos. "Cerca de 20% a 25% dos casos implicam intervenções cirúrgicas demoradas e, em cerca de 10% a 15% dos diagnósticos, os doentes precisam de fisioterapia intensa e precoce", continua.
No Centro Hospitalar do Porto, Donzília Silva, chefe de equipa da urgência, também reporta um número crescente de vítimas entre portugueses e turistas. "São maioritariamente jovens e pessoas de meia idade. Geralmente, os acidentes sucedem com pessoas menos experientes, com menor agilidade e menos habituadas à condução de trotinetas", indica, resultando, em boa parte dos diagnósticos, em ferimentos ligeiros e fraturas de pernas e de braços.
Protocolo com a ANSR
Certo é que, da ronda aos principais hospitais do país feita pelo JN, a generalidade não codifica os acidentes com trotinetas no momento da admissão nas urgências e, por isso, não consegue fornecer dados estatísticos. Esse é também um dos problemas da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) para caracterizar este novo tipo de sinistralidade.
Até porque os registos da PSP e da GNR ficam muito aquém da realidade: a PSP contabilizou 445 acidentes, com 432 feridos leves e 12 graves entre 2019 e 2021 e não dispõe ainda de dados relativos a este ano. Já a GNR dá conta de 62 sinistros em igual período, com 44 feridos ligeiros e um grave. No primeiro semestre deste ano, registou 28 acidentes (mais quatro do que em todo o ano de 2021), com 21 feridos leves e dois graves.
Por iniciativa do professor João Varandas Fernandes e do presidente da ANSR, Rui Ribeiro, o Centro de Responsabilidade Integrado de Traumatologia Ortopédica do CHULC e aquela autoridade nacional estão a trabalhar num protocolo de cooperação.
No âmbito do acordo, a unidade hospitalar fornecerá dados anónimos de acidentes e de vítimas dos novos tipos de mobilidade, envolvendo velocípedes e dispositivos de circulação elétricos, como trotinetas. "A ANSR tem necessidade de perceber a caracterização dos acidentes para a definição de medidas a implementar", sublinha Varandas Fernandes. Aguarda a pronúncia da Comissão Nacional de Proteção de Dados.
Ultimas propostas para alterar a lei
A Prevenção Rodoviária está a ultimar propostas de alteração ao Código da Estrada no que toca a trotinetas, como o uso obrigatório do capacete e a redução da velocidade para 20 km/hora nas ruas e para seis km/hora nas zonas pedonais. O dossiê será entregue ao Governo em setembro. A Lime, operadora de trotinetas de aluguer em Lisboa, garante que os utentes que violam "repetidamente as regras de segurança podem ser proibidos de usar os veículos", mas não diz quantos foram banidos. A Bolt, presente em 10 concelhos, possui um sistema de reação cognitiva à noite e não permite o aluguer, se o utente estiver alcoolizado.
28 acidentes registados pela GNR neste ano. Destaque para os distritos do Porto, Lisboa, Faro e Setúbal.
500 sinistrados tratados no Hospital Lisboa Central em 2019, 700 em 2021 e ultrapassará mil casos em 2022.