Igreja deve ter protocolos com serviços de psiquiatria do SNS para ajudar vítimas de abusos
No dia em que se conheceram os resultados do relatório dos abusos sexuais na Igreja Católica, a comissão independente liderada por Pedro Strecht fez uma série de recomendações à Igreja Católica portuguesa e à sociedade civil para aprofundar o tema e garantir apoio às vítimas. Entre as sugestões está a criação de uma nova comissão, a existência de protocolos entre a instituição religiosa e os serviços de psiquiatria do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a possível abolição de "confessionários fechados".
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A apresentação pública do relatório final da Comissão Independente sobre os abusos sexuais na Igreja Católica não dá por terminado o trabalho que a própria igreja e a sociedade civil terão de fazer para denunciar e criminalizar este tipo de crimes. Por essa mesma razão, é recomendada a criação de uma futura comissão dentro da própria instituição religiosa, constituída por membros internos e externos, de forma a receber eventuais denúncias, remetendo-as depois para validação e, "consoante os casos", enviá-las para o Ministério Público e as "estruturas de investigação e julgamento da própria Igreja".
A esta comissão caberia ainda "propor as soluções a adotar, nomeadamente quanto ao tipo de medidas a aplicar ao infrator, à eventual indemnização a atribuir às pessoas vítimas e ao acompanhamento de que estas mostrassem carecer", lê-se no relatório final da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, divulgado e apresentado publicamente esta segunda-feira de manhã. A equipa deverá ser constituída por "psicólogos, assistentes sociais, terapeutas familiares, psiquiatras, juristas, sociólogos e outros" profissionais.
Os efeitos provocados a vítimas de crimes sexuais não podem ser descurados, de acordo com a Comissão Independente, tendo a Igreja Católica a responsabilidade em assumir essa mesma resposta, através da criação de "protocolos com serviços de psiquiatria do Serviço Nacional de Saúde (pelo menos um em cada distrito)". Muitas vítimas carecem "de apoio psicológico ou psiquiátrico mesmo decorridas décadas sobre os acontecimentos", apontam os especialistas.
Além das vítimas, os especialistas dizem ser necessário uma "avaliação e intervenção terapêutica em psiquiatria" dos abusadores, além do acompanhamento espiritual.
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Espaços assentes em "desigualdades de poder"
A comissão alerta que a Igreja deve olhar para os espaços físicos da própria instituição. "Pela sua estrutura fechada, pouco permeável ao exterior, hierarquicamente assente em desigualdades de poder, estatuto e papel, [os espaços] facilitam a existência endémica de abusos sexuais de crianças por parte de membros da Igreja". É o caso de certos seminários e instituições de acolhimentos de crianças em perigo, lê-se no relatório. No caso dos "confessionários fechados", a abolição é uma das possibilidades referidas.
Tendo em vista a "tolerância zero" face aos crimes, a Igreja deve fazer uma "sinalização atual e futura das pessoas abusadoras" e "controlar os antecedentes criminais dos membros da Igreja" e de quem exerce funções junto de crianças e jovens. A comissão deverá enviar, ainda em fevereiro, uma lista dos alegados abusadores no ativo ao Ministério Público.
Mesmo a considerar as possíveis revisões ao Direito Canónico, como rever "a imposição de sigilo de confissão em matéria de crimes sexuais contra crianças", o relatório final defende que os canais de comunicação com o Ministério Público devem ser promovidos.
Denunciar até aos 30 anos
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Outra das recomendações passa por uma nova definição da idade máxima para denunciar os crimes de abusos sexuais. Tal como o ex-ministro da Justiça Laborinho Lúcio tinha afirmado, na conferência de Imprensa, esta segunda-feira de manhã, o Código Penal deve ser alterado para que uma vítima menor possa, até aos 30 anos, denunciar um crime de que foi alvo. A Comissão Independente acredita ser necessário um "alargado tempo de maturação sobre as possíveis consequências de uma denúncia". Neste momento, o procedimento criminal extingue por prescrição aos 23 anos.
Fora do âmbito da Igreja Católica, é aconselhada a criação de uma comissão própria, da responsabilidade do Ministério de Justiça, que possa estudar os crimes de abusos sexuais de crianças no geral. O relatório enaltece a importância da existência de uma linha de atendimento prioritário no SNS para as vítimas, o reforço da educação para a sexualidade e a criação do Provedor da Criança.