Fármaco de toma única custa mais de três milhões de euros nos Estados Unidos. CEO do SNS admite "impacto diabólico".
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À data de hoje, é o medicamento mais caro do Mundo. Foi aprovado, no final de 2022, nos Estados Unidos, para tratar doentes adultos com hemofilia B e está prestes a entrar na Europa. O Hemgenix recebeu parecer positivo da Agência Europeia do Medicamento (EMA), deixando os estados-membros, incluindo Portugal, a fazer contas de somar. É de toma única, os estudos mostram resultados eficazes até, pelo menos, dois anos, mas cada injeção poderá custar mais de três milhões de euros.
Em Portugal há mais de 200 doentes com hemofilia B e, ainda que nem todos sejam elegíveis, esta inovação pode pôr em risco a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS). A preocupação tem sido expressa pelo diretor-executivo do SNS, que também é especialista em imuno-hemoterapia e, portanto, conhecedor da prevalência da doença no país.
No último sábado, numa conferência no Porto, Fernando Araújo alertou para "o impacto diabólico" que o novo fármaco pode ter na despesa se prescrito a vários doentes num ano. Em entrevista ao JN/TSF realçou que o impacto das novas terapias - como esta da hemofilia B - e do envelhecimento da população "vão levar ao aumento da despesa global na saúde em todos os países".
Aprovado pela agência do medicamento norte-americana (FDA) no início de dezembro, o Hemgenix está a ser comercializado nos Estados Unidos por 3,5 milhões de dólares (3,3 milhões de euros). No dia 15, a EMA deu parecer positivo para o tratamento de adultos com hemofilia B, na forma severa e moderadamente severa, sem história de inibidores do fator de coagulação IX. "A AIM [autorização de introdução no mercado] deste medicamento está pendente de decisão da Comissão Europeia", disse, ao JN, o Infarmed.
Redução das hemorragias
Para a Associação Portuguesa de Hemofilia, "estamos no início de uma nova fase de abordagem clínica". "A terapia génica, no seu estado da arte atual, não é vista como uma cura, mas sim como um tratamento com uma duração prolongada por vários anos", realça. Tem como vantagens a ausência de administração de fatores da coagulação durante alguns anos e "uma redução quase a zero nas hemorragias espontâneas", melhorando a qualidade de vida do doente. Mas, ressalva, nem todos os doentes são elegíveis e são necessários centros de tratamento altamente especializados e uma monitorização constante dos pacientes para deteção de problemas hepáticos e ao nível oncogénico.
Hospitais ainda não fizeram pedidos
A partir do momento em que os fármacos são aprovados pela Agência Europeia do Medicamento, os hospitais portugueses podem fazer um pedido de autorização de utilização excecional (AUE) para acederem à terapêutica e poderem tratar os seus doentes. Este mecanismo visa evitar que os doentes fiquem sem acesso, enquanto decorrem as negociações com a indústria sobre a comparticipação dos medicamentos e introdução no mercado. De acordo com o Infarmed, até ao final de janeiro, não houve qualquer pedido de AUE para o Hemgenix.
Caros e mediáticos
Atrofia muscular espinal
O medicamento Zolgensma foi, até há bem pouco tempo, considerado "o mais caro do Mundo". Custa quase dois milhões de euros e está indicado no tratamento da atrofia muscular espinal na forma mais grave (tipo 1). Em 2019, o apelo dos pais da bebé Matilde, que sofria da doença, trouxe este fármaco para a agenda mediática. A criança tomou-o naquele ano, evoluiu favoravelmente e seguiram-se outros casos.
Fibrose quística
O tratamento da fibrose quística com Kaftrio custa cerca de 140 mil euros por doente por ano. Tornou-se conhecido após o apelo de Constança Bradell, que tinha a doença, nas redes sociais. A jovem de 24 anos morreu em 2021.
Hepatite C
A discussão sobre o preço dos medicamentos inovadores/sustentabilidade do SNS entrou na ordem do dia com o tratamento para curar a hepatite C em 2014. O laboratório pedia cerca de 50 mil euros por tratamento por doente e foi preciso cerca de um ano de negociação para o ex-ministro da Saúde, Paulo Macedo, baixar este valor para cerca de metade.
Imunoterapias
Os tratamentos com células CAR-T - uma imunoterapia que utiliza o sistema imunitário do doente para combater o cancro -, custam cerca de 300 mil euros por doente. O IPO do Porto já tratou 50 pacientes com recurso a esta terapêutica.
Pormenores
O que é a hemofilia?
É uma deficiência no processo de coagulação do sangue, que provoca hemorragias frequentes. Há dois tipos de hemofilia, consoante o fator de coagulação em falta: o fator VIII no caso da hemofilia A; e o IX na hemofilia B. Pode ser hereditária ou surgir por mutação genética espontânea.
209 doentes com hemofilia B existem em Portugal, mostra um levantamento epidemiológico efetuado pela Associação Portuguesa de Hemofilia com a Federação Mundial de Hemofilia. Dos 209, 25% têm a forma severa da doença e 41% a forma moderada.