Centros questionaram Conselho de PMA que remeteu para o Parlamento. Em causa, técnicas e futuro dos embriões.
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Está instalada a confusão em torno da lei que regulamenta a inseminação pós-morte. Na dúvida de que técnicas poderiam ser utilizadas - se apenas inseminação artificial ou também fertilização in vitro (FIV) -, os centros pediram esclarecimentos ao Conselho Nacional de PMA (CNPMA). Que devolveu as dúvidas ao legislador. Esta quarta-feira, o pedido de pronúncia urgente do Conselho é analisado pelos deputados na Comissão de Saúde. Até lá, casos como os de Ângela Ferreira, que espoletou o processo legislativo, estão em suspenso.
Ao JN, Carla Rodrigues, presidente do CNPMA, confirma ter recebido pedidos de esclarecimentos de dois centros de PMA, um dos quais o do Hospital de S. João, onde Ângela é seguida. Em causa, explica a jurista, saber se, à luz da lei, podem ser "feitos outros tipos de tratamentos além da inseminação". Dúvida que o Conselho também tem, pelo que, em fevereiro, "devolveu à Assembleia da República a lei, pedindo uma interpretação autêntica" da mesma.
"Como sempre dissemos, a lei não é clara, tem imensas lacunas e gera confusões. Foi uma lei feita de forma muito apressada, que gera dificuldades de interpretação", diz Carla Rodrigues. Para quem, apenas o legislador tem competência para a clarificar.
Sendo que, frisa a presidente do CNPMA, se a lei permitir outro tipo de técnicas, como a FIV, terá também que regulamentar outros pontos que não estão acautelados. Admitindo-se, por exemplo, o recurso a FIV, "são criados embriões e a lei não diz quantos, nem qual o destino a dar aos embriões", sublinha a jurista.
Questões também levantadas pelo presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução, que quer "acreditar que vai ser possível fazer técnicas de 2.ª linha [como a FIV] e que o legislador vai legislar nesse sentido". Explicando Pedro Xavier que "a autorização do falecido é para uma gravidez e não fala em embriões nem no destino a dar aos embriões".
Questões éticas importantes, tanto mais que "não há doação de embriões sem consentimento do falecido", lembra. Restando apenas a sua destruição. "Faria sentido que o legislador tivesse pedido uma regulamentação". Para o especialista em Medicina da Reprodução, a discussão só se coloca porque a lei permite uma dupla leitura.
Por outro lado, explica Pedro Xavier, "a inseminação tem uma eficácia muito baixa e menor do que a FIV, havendo situações, por exemplo uma mulher com as duas trompas obstruídas, em que não se pode fazer inseminação".
Ângela em stand-by
Probabilidades que Ângela Ferreira conhece bem. Fez, explica ao JN, uma inseminação artificial em fevereiro, sem sucesso. "Depois, deparei-me com a interpretação do CNPMA que não podíamos fazer outro tipo de tratamento".
Tendo presente o menor sucesso da inseminação, aguarda pelos esclarecimentos para fazer uma FIV, até porque não quer "arriscar perder mais material" de Hugo, o falecido marido. "Estou em stand-by", temendo pela "perda de qualidade do material", uma vez que a criopreservação foi "feita há mais de cinco anos".
Ângela decidiu "arriscar pelo menos uma vez". Agora, prefere "aguardar mais um pouco para as dúvidas serem esclarecidas e avançar com um tratamento com uma taxa de sucesso maior".
À LUPA
Deputados analisam
Foi em fevereiro que o CNPMA fez um pedido de pronúncia urgente à Assembleia da República sobre a lei que veio permitir a inseminação pós-morte. O pedido está hoje na ordem de trabalhos da Comissão de Saúde.
Promulgação
O diploma que permite o recurso a técnicas de PMA com sémen após a morte do dador nos casos de projetos parentais expressamente consentidos foi promulgado em novembro passado. O presidente da República havia vetado a lei, nomeadamente por dúvidas relativas ao direito sucessório.
Uma única gravidez
A inseminação é para uma única gravidez e num prazo entre seis meses e três anos após o óbito. Salvaguarda efeitos retroativos.