O lixo, o sustento, o mor. Há municípios em Portugal que adotaram unidades locais. A ideia vai ganhando escala e poderá alargar-se a outras geografias. Para fomentar boas práticas ambientais, ajudar as comunidades e dinamizar o pequeno comércio.
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Parece uma nota de Monopólio, mas vale dinheiro real e foi um sucesso na freguesia lisboeta de Campolide. Lançada em 2016, a lixo, assim se chama esta moeda local, colheu de tal forma frutos e popularidade que acabou replicada em Barcelona (Espanha) e tem sido apresentada como exemplo em várias conferências internacionais.
"A lixo foi um incentivo financeiro para que as pessoas optassem por boas práticas ambientais. De início, admito, a medida foi olhada um pouco de lado, mas rapidamente teve uma grande adesão, desde a população mais jovem às gerações mais velhas", descreve André Couto, presidente da Junta de Freguesia de Campolide.
Todos os sábados de manhã, os habitantes de Campolide eram convidados a depositar numa banca específica os resíduos domésticos acumulados em casa durante a semana. Um quilo de lixo reciclável podia ser trocado por duas unidades de moeda lixo, correspondente a dois euros, um quilo de lixo indiferenciado doméstico valia um lixo (um euro).
Quanto mais acumulassem, até ao máximo de 10 quilos, mais lixos os moradores recebiam e quanto mais recebiam mais podiam gastar no comércio tradicional de Campolide. E só aí.
Temporariamente suspensa, a lixo estará de regresso até ao início do próximo ano. "Dessa vez para fomentar a prática da compostagem", diz André Couto.
Dinamizar economias
Também em Lisboa, e também em 2016, foi criada a Santo António. Na freguesia homónima, a Junta presidida por Vasco Morgado pensou esta moeda destinada às famílias mais carenciadas, que mensalmente recebem um plafond em Santo Antónios, que depois podem gastar num supermercado especificamente destinado a esta iniciativa.
Ainda assim, são poucos os exemplos das moedas locais vigentes em Portugal, ideias à escala local que vão lentamente ganhando adeptos. Como em Figueira de Castelo Rodrigo, onde nos últimos dias não se fala noutra coisa que não na sustento. No final de outubro, foi anunciado que os 6200 habitantes desta vila do distrito da Guarda quase encostada a Espanha vão poder passar a usar esta moeda lançada pela Plataforma de Ciência Aberta e pelo Gabinete de Ambiente do Município.
O objetivo é promover a separação de resíduos de plástico e de tecidos e, em troca, obter créditos que depois podem ser utilizados nos mais variados espaços comerciais do concelho, desde ginásios e cinemas a lojas. No final, pretende criar-se "um sistema de economia circular que recompensa a reutilização de desperdícios e a sua transformação em produtos de valor acrescentado", segundo explica a Autarquia.
Outra moeda local pode ser encontrada no Alentejo, mais propriamente em Montemor-o-Novo, onde, também desde este ano, está em vigor a mor. Impulsionada pela Rede de Cidadania de Montemor-o-Novo, plataforma local de intervenção cívica e social, e apoiada pela Câmara Municipal, a mor quer-se usada em compras realizadas em lojas e produtores locais. Tem um valor ligeiramente superior a um euro por unidade e pode ser trocada diretamente, ou seja, quem o pretender pode cambiar determinada quantia de euros para mores e depois utilizá-los dentro do concelho. "Incentiva a compra de bens e serviços produzidos localmente e localmente disponíveis e envolve na economia ativa desempregados e pessoas habitualmente à margem dos tecidos produtivos", defende a Rede de Cidadania.
Os interessados poderão subscrever uma cabra, adquirindo-a e recebendo parte da participação através da moeda local, que depois será aplicada localmente, por exemplo em produtos daqui
Em Chãos, aldeia do concelho de Rio Maior, os moradores, inspirados pela realidade de Montemor-o-Novo, ponderam lançar moeda própria. A ideia é dinamizar a produção aos mais diferentes níveis e levar a que os incentivos económicos promovam o desenvolvimento de forma sustentada.
"Os interessados poderão subscrever uma cabra, adquirindo-a e recebendo parte da participação através da moeda local, que depois será aplicada localmente, por exemplo em produtos daqui, em turismo natureza, em percursos de interpretação ambiental, restaurantes ou alojamento", assinala Júlio Ricardo, da Cooperativa Terra Chã, promotora da iniciativa, ainda em fase embrionária. "Provavelmente será lançada na primavera de 2020. Aliás, estamos a criar sinergias com o caso de Montemor-o-Novo para tentar estudar boas soluções", adianta.
Troca de experiências
Foi precisamente Chãos que recebeu, no passado dia 2, um Encontro Sobre Moedas Sociais, no qual foram apresentados exemplos nacionais e internacionais em que a produção de moeda própria teve resultados positivos.
O tema, aliás, será também o prato forte de um congresso mundial que vai realizar-se em abril do próximo ano em Barcelona, Espanha, durante o qual serão trocadas experiências e descritos casos em que a medida surtiu efeitos práticos de desenvolvimento económico e social em várias cidades e regiões do globo.
Por cá, onde também poderá nascer moeda é em Ponta Delgada, nos Açores. A ideia foi lançada pela Kairós - Cooperativa de Incubação de Iniciativas de Economia Solidária e "está a ser discutida com diversas entidades locais", conforme refere Pedro Gouveia, da Kairós. O objetivo passa por, tal como noutras paragens, dinamizar a economia local e criar novas formas de promover o desenvolvimento social