O secretário-geral cessante do PCP acusou, este sábado, o PS de estar "cada vez mais inclinado para a Direita", garantindo que os comunistas irão "redobrar a tomada de iniciativa". Na sua última intervenção enquanto rosto principal do partido, Jerónimo de Sousa também alertou contra o "perigo de uma confrontação global", acusando a União Europeia (UE) de uma "extraordinária submissão e dependência" face aos EUA e apelando às negociações na guerra da Ucrânia. No fim do discurso, foi ovacionado.
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Lamentando a "redução da expressão parlamentar do PCP", que considerou ter sido "alcançada na base de uma operação de chantagem e mistificação", Jerónimo desferiu um forte ataque ao PS, acusando-o de estar "cada vez mais inclinado para a Direita".
"Hoje está muito claro qual é o sentido da governação do PS maioritário", afirmou o secretário-geral comunista, no primeiro dia da Conferência Nacional do partido. Por oposição, destacou o "quão verdadeira era a palavra do PCP quando afirmava que o PS não queria resolver os problemas nacionais, mas tão-só romper com a política de defesa, reposição e conquista de direitos e criar condições para retomar na plenitude a política de direita que sempre teve como sua".
Para Jerónimo de Sousa, existe um "costas com costas do PS com o PSD, o CDS, a IL e o Chega" naquilo que é "decisivo", e que vai da recusa de "reposição na plenitude" dos direitos laborais "extorquidos" até à "farsa" do acordo de rendimentos obtido entre o Governo e alguns parceiros sociais. O Executivo, segundo o comunista, "nega aos salários o que dá em benefícios e alcavalas de milhares de milhões ao grande capital".
O discurso teve apenas dois momentos de improviso. O primeiro surgiu a meio da intervenção, quando o secretário-geral recebeu palmas encorajadoras e respondeu: "Obrigado, camaradas. Assim ajuda mais".
O outro acontecimento não planeado ficou guardado para o fim. Após ter concluído a leitura das dez páginas, Jerónimo rematou: "O vento está duro e muito forte, fustiga-nos o rosto. Mas nunca hão-de ver o vento a apanhar-nos de costas, porque estaremos sempre virados para a frente, em torno no nosso projeto, do nosso ideal do nosso partido". Acabou o discurso aclamado pelos cerca de mil delegados presentes.
Detratores "enganaram-se e vão continuar enganados"
Na intervenção, que durou cerca de 40 minutos, Jerónimo prosseguiu o ataque cerrado ao PS, denunciando a "retoma do processo privatizador". A este propósito, deu os exemplos da TAP, das "novas PPP que se preparam na ferrovia" ou da "transferência de milhões para os grupos de saúde".
Já no que toca à inflação, segundo o secretário-geral cessante, o Governo prefere ignorar as causas e "empurrar as culpas para os salários", atuando primeiro "a coberto da epidemia e, depois, da guerra e das sanções". O Orçamento do Estado que o PS irá fazer aprovar "aprofundará o empobrecimento", assegurou.
Jerónimo denunciou ainda a "intensificação da campanha antidemocrática, de forte pendor anticomunista", num quadro em que a Direita procura impor "agendas de natureza retrógrada, demagógica, neoliberal ou fascizante". Nesse sentido, a "concertação" entre o PS e os partidos da Direita "não nos pode deixar descansados", vincou.
Terminado que está o período da geringonça, Jerónimo destacou a necessidade de o PCP "redobrar a tomada de iniciativa". Aqueles que previram que o partido iria "soçobrar" perante os ataques "enganaram-se e vão continuar enganados", atirou, recebendo uma salva de palmas.
Entre as prioridades do partido, elencadas pelo ainda secretário-geral, contam-se o aumento geral dos salários, a valorização das reformas e a defesa da produção nacional. Também referiu temas como o direito à habitação, o ambiente ou o "fortalecimento das organizações e movimentos de massas". Todas elas têm em comum o propósito de "ligar ainda mais o partido à vida", frisou.
Militarismo dos EUA coloca "perigo de confrontação global"
No plano internacional, Jerónimo considerou "urgente" o "fim da instigação da guerra na Ucrânia por parte dos EUA, da NATO e da UE", com a consequente "abertura de vias de negociação" entre ucranianos e russos. A esse respeito, criticou a "extraordinária submissão e dependência" da União face aos norte-americanos.
No entender do secretário-geral do PCP, a "estratégia militarista" dos EUA, patente nos sucessivos alargamentos da NATO, é a grande responsável pela "escalada da política de confrontação" a nível mundial. A "crescente tensão e provocação contra a China" acarreta "o perigo de uma confrontação global com graves consequências para a humanidade", alertou.
O PCP reúne, este fim de semana, a quarta Conferência Nacional da sua história. Este sábado à noite, Paulo Raimundo, de 46 anos e membro do Comité Central, deverá ser eleito secretário-geral, sucedendo a Jerónimo.