Dois acontecimentos dividiram a primeira página do JN de 28 de maio de 1926: à direita, noticiava-se o primeiro Congresso Nacional Mariano, que por aqueles dias juntava, em Braga, as cúpulas da Igreja Católica; do outro lado, o jornal dava conta de "notícias alarmantes" vindas de Lisboa e titulava, ainda sob a forma de uma interrogação, que estaria em marcha "uma revolução de carácter militar".
Corpo do artigo
"Continuam os boatos duma iminente alteração da ordem", lia-se no artigo. "Parece que estamos a momentos de acontecimentos sensacionais e os jornais da oposição já não escondem a gravidade da situação". Citando o "Mundo", periódico republicano, o JN informava que os golpistas formavam um movimento "de caracter revolucionario com características mal definidas".
Mais à frente, publicava-se uma proclamação que as forças vitoriosas tinham distribuído em Lisboa: "Quem se bater contra nós fá-lo contra a nação, a favor dos patifes de todos os partidos - legião de safados responsaveis por todas as miserias e vergonhas que vexam a Republica e que tornaram possível o ambiente corrupto", lia-se.
No dia seguinte, o JN confirma: "Está em marcha um movimento militar". A primeira página já traz várias manchas brancas sem texto, resultado da instituição da censura. Tomando conhecimento de que a revolta partia de Braga, um jornalista do jornal dirigiu-se à capital minhota. Ao não ver "nem um soldado" durante o trajeto, escreveu: "Chegámos a cuidar que não passava dum boato". À porta do quartel, perguntou à sentinela:
- "O sr. oficial de dia?
- Está lá em cima.
- Pode se falar com ele?
- Pode e com os outros srs. oficiais também.
- E o general sr. Gomes da Costa? [o líder]
- Também está ali."
Chegado ao piso superior, escreveu o jornalista: "Pela abertura duma porta dentro dum gabinete, vimos a figura prestigiosa de Gomes da Costa. Alto, magro, bigode branco, capa tisnada pelos sois de África". Nessa altura, o golpe ainda não triunfara por completo. Assim, o JN testemunhou, em primeira mão, o líder da revolta a fazer "as ultimas deliberações, os ultimos retoques na organisação revolucionaria".
O jornalista pediu para entrar, encontrando um Gomes da Costa "animadíssimo". "Cumprimenta-nos efusivamente", escreveu, relatando que lhe pediu um autógrafo para os leitores. Um tenente garantiu-lhe depois que o golpe "não tem carácter militarista" e "não é das esquerdas nem das direitas, é da nação".
Certo é que o Parlamento seria dissolvido de imediato. No mês seguinte, Salazar tornava-se ministro das Finanças por breves dias. Regressaria em 1928 e só deixaria o poder 40 anos depois.