Cabazes do Banco Alimentar já têm 23% de frescos. Pedidos disparam, assim como o número de voluntários.
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São kiwis, laranjas, maçãs, tomate, couve, feijão-verde. Muitos legumes e muita fruta. São "feios", muito pequenos, estão "tocados" ou demasiado maduros para a montra das lojas. Num gesto solidário, acabam no Banco Alimentar (BA) do Porto, onde os frescos representam já 23% do cabaz. Ali, um ano após o início da pandemia, os pedidos de ajuda multiplicaram-se por cinco, há 180 instituições em "lista de espera" e a consciência de que a situação "pode piorar". Mas, em contrapartida, há sete vezes mais voluntários e, mesmo sem as grandes campanhas nos supermercados, a comida nunca faltou. O BA do Porto ajuda, todos os dias, 60 mil pessoas.
5854 toneladas de alimentos passaram pelo Banco Alimentar do Porto durante o ano passado. Fruto da pandemia de covid-19, não houve as duas habituais campanhas nos 290 supermercados do distrito do Porto. Mas a solidariedade não esmoreceu, ajudando quem mais precisa.
"São cerca de 50 a contribuir, entre produtores de hortícolas, Mercado Abastecedor e particulares", explicou, ao JN, António Serôdio, adjunto da Direção do BA do Porto. Por um lado, "aumenta-se o peso dos frescos nos cabazes" e, por outro, "é um passo muito importante no combate ao desperdício, já que são alimentos que acabariam no lixo", explica a responsável pela área social, Inês Pinto Cardoso.
Ainda assim, obriga a trabalho acrescido. Menor validade significa maior rapidez na entrega. "Chegam e, no dia seguinte de manhã, são distribuídos", explica.
Ajuda a instituições
Codornizes congeladas, iogurtes, couve e feijão-verde. Fernando Pereira vai enchendo o carrinho. É motorista no Centro Social e Paroquial Nossa Senhora da Ajuda, no Porto, há 22 anos e é a ele que toca, "duas ou três vezes por mês", levantar os produtos no armazém do BA em Perafita. A instituição tem 250 crianças do berçário ao ATL. "Ajudam-nos para podermos ajudar", sorri. Ali, de segunda a sexta, há sempre alimentos e instituições a chegar.
"O BA não apoia pessoas diretamente. Apoia instituições que, por sua vez, apoiam pessoas", explica Inês Pinto Cardoso. São 300, entre lares de idosos, creches e jardins de infância, casas de acolhimento de crianças em risco, mães adolescentes ou vítimas de violência doméstica e equipas de apoio domiciliário dos 18 concelhos do distrito. Ainda assim, quase todos os dias, chegam lá pessoas.
Números do sufoco
"Sempre que há um confinamento os pedidos de ajuda disparam", sublinha António Serôdio. Inês confirma com números: em 2019, 79 pessoas. Em 2020, 500 e, neste ano, só no primeiro trimestre, 110. "Ninguém fica sem resposta. Analisamos cada caso e encaminhamos para uma das instituições nossas parceiras".
O perfil de quem pede ajuda mudou: eram idosos ou beneficiários do rendimento social de inserção. Agora, são pessoas que tinham emprego estável e, por desemprego ou lay-off, não conseguem pagar as contas. Gente da restauração, turismo, mulheres a dias, donos de empresas familiares. Por "vergonha", chegam "cada vez mais no limite".
Site dispara
O site "Alimente esta ideia", onde é possível comprar online alimentos que revertem para um dos bancos alimentares do país, angariava 10 toneladas por ano para o BA do Porto. Agora, são entre 40 e 50 toneladas
Mobilização
Sem as ações nos supermercados, os voluntários mobilizaram o prédio e os amigos, fizeram campanhas nas paróquias, empresas e agrupamentos de escuteiros. Chegaram mais doações de particulares, de restaurantes e de hotéis obrigados a fechar. Na altura das campanhas - maio e novembro -, houve vales à venda nos hipermercados.
Ainda mais essencial
Inês Pinto Cardoso tem consciência de que, nesta fase, o BA é "ainda mais essencial". Admite que a situação "ainda pode piorar", mas acredita que, com todos a colaborar, a ajuda não vai falhar.
Arranjei outra forma de me manter ativo
É formador na área das Ciências Sociais e Humanas. A pandemia levou-lhe grande parte do trabalho. Tinha de encontrar outra forma de se manter ocupado e sentir-se útil. Hoje, volvido um ano, Pedro Azevedo, de 53 anos, admite que foi ali parar "por egoísmo", mas a verdade é que é tanto o que dá em troca. É um dos 700 voluntários do Banco Alimentar do Porto e um dos quase 600 que chegaram com a pandemia. São professores, médicos, engenheiros, funcionários do setor da aviação comercial, empresários, estudantes.
"Arranjei outra forma de manter-me ativo e, se o meu "egoísmo" vai ajudar a melhorar a vida de outras pessoas, tanto melhor", atira Pedro Azevedo que, sem nunca ter feito voluntariado regular, é, agora, duas manhãs por semana, presença assídua nos armazéns do Banco Alimentar do Porto. Chegou com a mulher, Isabel, técnica de Recursos Humanos que coordena, agora, a entrada de novos voluntários.
No primeiro dia, recorda, ensacou latas de feijão. Um ano depois, já fez "de tudo" - "varrer o chão, pesar, marcar, embalar, separar, preparar cabazes, conferir". Já não se imagina sem as idas a Perafita, no concelho de Matosinhos.
"As pessoas estão mais sensíveis e muito mais solidárias. Esse é o lado positivo da pandemia", explica Inês Pinto Soares.
Vieram mais voluntários - de 100 passaram para 700 -, mais novos e qualificados. "Muitas pessoas não conseguiam estar em casa paradas", explica, dando como exemplo os cerca de 20 que vieram do setor da aviação, entre pilotos, assistentes de bordo e controladores de tráfego aéreo.
O Banco Alimentar aproveitou e, à boleia de gente com novas competências, desenvolveu outros projetos: a equipa de nutrição ou as seis pessoas que gerem as redes sociais são disso exemplo.
Em altura de crise, os pedidos de ajuda aumentam, mas o número de voluntários também.