O Ministério dos Negócios Estrangeiros recebeu pedidos de ajuda de 15 casais com gravidezes em curso na Ucrânia e prepara "solução excecional" para que recém-nascidos possam sair do país.
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Numa operação sem precedentes e só possível "em contexto de guerra", o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) está a criar uma "solução excecional" para ajudar os casais portugueses que já têm gravidezes de substituição (barrigas de aluguer) iniciadas na Ucrânia. No total, 15 casais com gestantes a viver naquele país já pediram ajuda ao ministério de Augusto Santos Silva. O auxílio pode ser feito de várias formas, dependendo da situação e assumindo sempre que "cada caso é um caso". E pode passar por trazer para Portugal as mulheres grávidas e respetivas famílias, caso assim o desejem.
A gravidez de substituição é legal na Ucrânia desde que o casal que recorre a uma gestante seja efetivamente casado e existam problemas de saúde que inviabilizem a gravidez da mulher. Contudo, o bebé tem de nascer e ser registado na Ucrânia e só depois pode abandonar o país. Com a guerra, além de não ser possível localizar a maioria das gestantes, os serviços públicos estão destruídos ou fechados. Só a intervenção do MNE tornou possível a vinda para Portugal de dois gémeos nascidos no final de fevereiro, já depois de a guerra ter começado, como o JN noticiou.
"Nos dois casos em que as crianças nasceram e não tinham documentos, foi emitida, em articulação com o Instituto dos Registos e Notariado, toda a documentação necessária para viabilizar a vinda destas crianças para Portugal", refere o MNE. A solução encontrada para o caso dos gémeos é uma esperança para muitos casais que, até agora, não sabiam o que fazer no caso de os filhos nascerem num país em guerra.
"Claro que estamos muito mais tranquilos. Se o menino nascer em Kiev, a nossa preocupação é só conseguir trazê-lo até uma fronteira porque é possível registá-lo mesmo fora da Ucrânia", disse ao JN um pai da região da grande Lisboa.
Bebés sem documentos
Os pedidos de apoio por parte de casais com gravidezes já a decorrer ou com bebés que já nasceram mas que os pais não conseguem retirar do país representam os 15 casos em apreço. "Nem os pais podem entrar para ir ter com a gestante nem os bebés podem sair porque não têm documentação", resumiu ao JN um membro do gabinete do ministro.
A possibilidade de as gestantes virem cá ter os bebés implica que tenham vontade de sair da Ucrânia. "Com as clínicas que trataram dos processos de gestação encerradas, nem sempre é fácil localizar as senhoras. Mas, nos casos em que os pais as conseguiram contactar, apesar das propostas de casa e trabalho, duas recusaram sair do seu país", disse a mãe de uma criança que nasceu na Ucrânia em 2020 e que acompanha alguns pais que vivem processos semelhantes ao seu.
Às embaixadas de Portugal, sobretudo à da Polónia, também têm chegado pedidos de ajuda de casais aflitos. Os pais procuram entrar na Ucrânia para localizarem a "sua" gestante. Nos próximos dias, deverão nascer mais dois bebés filhos de casais portugueses.
A primeira entidade a alertar para a realidade dos pais que iniciavam processos de fertilização naquele país (pagando até 50 mil euros por cada processo) foi a Associação Portuguesa de Fertilidade (APF).
A APF confirma que já foi contactada por, pelo menos, cinco casais que tinham processos de gestação em curso quando começou a guerra na Ucrânia, embora admita que existem mais nestas circunstâncias. "Temos noção de que são mais pelas partilhas que têm feito connosco. Apontava para mais de 20 casais", disse Joana Freire, salientando que não existe nenhum registo que concentre esta informação.