O ventilador de emergência criado em três meses no âmbito do "Project Open Air" foi adaptado para ser viável em missões humanitárias e aguarda certificação do Infarmed. O mesmo aconteceu com máscaras que podiam ser esterilizadas em micro-ondas. O JN falou com João Nascimento, fundador do projeto, e com Carla Paiva, da Médicos do Mundo, organização que vai fazer chegar os produtos ao terreno.
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O ventilador de emergência patenteado em nome da Humanidade foi adaptado em Portugal para ser utilizado em missões humanitárias. "Há cerca de dez protótipos que estão em testes e procedimentos de certificação pelas autoridades portuguesas (Infarmed)", revela ao JN João Nascimento, fundador do "Project Open Air", que em março de 2020 levou à criação de um ventilador "low-cost" que fosse possível produzir em massa e localmente.
Médicos do Mundo leva para o terreno
Em junho de 2020, os produtos desenvolvidos pelo "Project Open Air" foram entregues à organização Médicos do Mundo (MdM), que ficou responsável pela implementação no terreno. Desde então, o ventilador "foi adaptado e passou para uma máquina mais robusta e mais facilmente transportável, para terrenos onde é ainda mais difícil chegar materiais", explica João Nascimento, que passou a coordenar a área de investigação da MdM. "A máquina estaria disponível para trabalhar já amanhã", assegura, "mas a certificação do Infarmed é um selo de garantia".
Os protótipos foram construídos com a colaboração voluntária de investigadores do Instituto de Ciências Nucleares Aplicadas à Saúde (ICNAS) da Universidade de Coimbra e da Faculdade de Ciências e Tecnologia da NOVA Medical School.
Não pretendemos que este seja mais um produto que vai ficar numa sala qualquer, num país qualquer sem aplicação
Carla Paiva, diretora da MdM, sublinha que "o objetivo dos ajustes é que este ventilador possa ser facilmente colocado em hospitais de emergência e estruturas hospitalares", tendo ainda em conta as necessidades de manutenção e energia. Estamos a falar de máquinas que são suportes de vida mas "em países de renda baixa nem sempre o custo de manutenção justifica colocar equipamentos deste género" e "a necessidade de ter um gerador também implica custos elevados", acrescenta. "Não pretendemos que este seja mais um produto que vai ficar numa sala qualquer, num país qualquer sem aplicação".
E quanto ao destino? "Moçambique é uma hipótese", admite a diretora da MdM, país onde a organização gere um campo de 2400 desalojados do ciclone Idai (2019), além de colaborar em dois projetos em parceria com a instituição Apoiar e a Unicef.
O objetivo é que possa chegar ao máximo de pessoas possível
"Queremos também tentar capacitar outras organizações no terreno e reforçar a sua capacidade de intervenção. Lá porque seja a MdM a levar o equipamento não quer dizer que tenha de liderar o processo da aplicação. É um projeto em Open Source (código aberto), o objetivo é que possa chegar ao máximo de pessoas possível", defende Carla Paiva.
Questionado sobre se a patente inicial registada em nome da Humanidade foi utilizada, João Nascimento confessa: "Tivemos contactos de várias instituições interessadas e que começaram a dar os primeiros passos para a fabricação do modelo, a última delas foi uma equipa do Haiti. Mas a partir do momento em que publicamos uma coisa na internet em Open Source é com esta ideia de as pessoas pegarem e serem livres de fazerem o que entenderem. É um pouco ingrato mas nós não sabemos depois o que acontece na prática."
Máscaras reutilizáveis "em breve"
Do entusiasmo e dos saberes de mais de 1400 especialistas que aderiram voluntariamente ao desafio do "Project Open Air" surgiram outros produtos para enfrentar a pandemia de covid-19: máscaras que podiam ser esterilizadas em micro-ondas, kits médicos reutilizáveis e apoio na reparação de ventiladores.
O foco está atualmente nas máscaras, mas "talvez tenha uma abordagem diferente", mantendo a ideia de ser reutilizável e uma mais-valia para quem está no terreno. "Vamos ter em breve essas máscaras não descartáveis", revela João Nascimento, sem adiantar pormenores.
Carla Paiva destaca a exigência de "terem uma componente de sustentabilidade ambiental muito forte" e adianta que também vão ser vendidas em Portugal, "para contribuir para a sustentabilidade da organização".
Kits médicos no SNS "a conta-gotas"
Já "o projeto dos kits médicos (Frontline Medical Kits) está estacionado". Estes equipamentos de proteção individual certificados pelo Citeve e que permitem 25 lavagens sem perder eficácia "chegaram a ser produzidos e estão ainda em fase de distribuição a nível nacional". João Nascimento lamenta: "o primeiro impacto que na altura gostaríamos de ter foi muito retardado no tempo pela própria organização logística do Serviço Nacional de Saúde, que queríamos ajudar. E acabou por ser protelada esta entrega no tempo, foi sendo feita a conta-gotas".
Em relação ao Vent2Life, para reparação de ventiladores avariados, recebeu cerca de 200 pedidos de assistência mas "foi descontinuado. Fez sentido naquela altura", frisa João Nascimento.