Licenciados a dar aulas vão ganhar menos 350 euros do que professores de carreira
Mais de mil horários já foram enviados para contratação direta pelas escolas desde 1 de setembro.
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Os licenciados contratados pelas escolas para darem aulas ganham quase menos 350 euros do que um professor, no primeiro escalão da carreira, com horário completo. Este ano, a porta está escancarada para o recrutamento destes profissionais. A legislação foi atualizada para a contratação de licenciados pós-Bolonha e os avisos relativos aos concursos serão divulgados junto de universidades e centros de emprego, divulgou o ministro da Educação. O ano letivo arranca esta semana para mais de um milhão de alunos. Será uma abertura "tranquila", garante João Costa. Mas ensombrada pela falta de professores.
O salário de um professor no 1.º escalão da carreira (índice 167) ronda os 1500 euros ilíquidos. Os licenciados recrutados pelas escolas ganham pelo índice 126, aplicado aos técnicos especializados sem certificado de aptidão profissional: 1159 euros brutos, no caso de um horário completo, explica o líder da Fenprof.
Universidade Aberta pode acompanhar
Os candidatos que apenas têm a licenciatura só podem concorrer aos horários lançados diretamente pelas escolas. E só podem ser colocados quando não existem docentes para preencher as vagas. A solução há muito que existe mas, nos últimos anos, a falta de professores aumentou este recrutamento, nomeadamente no grupo de Informática. A legislação foi, aliás, atualizada para os licenciados pós-Bolonha na semana passada, que estão impedidos apenas de concorrer para o 1.º Ciclo e Pré-Escolar.
João Costa já assumiu que esta não é a solução para resolver a falta de docentes mas que alarga o leque de candidatos e pode reduzir o número de alunos sem todas as aulas. Com a Universidade Aberta (instituição que mantém a oferta de profissionalização em serviço para quem não tem mestrado em ensino poder entrar na carreira) está a ser acordado um programa de acompanhamento destes profissionais.
"É uma solução precária da qual discordamos. Não têm a totalidade da formação para o trabalho que lhes é exigido nem continuidade laboral", defende o líder da FNE, João Dias da Silva.
"Solução de cosmética"
"É lamentável que 30 anos depois se esteja a voltar às habilitações próprias" (sem mestrado), afirma Mário Nogueira, líder da Fenprof.
O presidente da associação nacional de dirigentes escolares (ANDE) também não esconde a preocupação.
"Os professores têm de ter formação pedagógica. Os licenciados podem resolver casos pontuais mas o setor precisa de soluções de futuro não de cosmética. A docência não pode ser solução de recurso para quem não tem emprego", argumenta Manuel Pereira.
Os horários enviados para contratação de escola são os inferiores a oito horas letivas (um horário completo tem 22 horas letivas) e os que não são preenchidos na reserva de recrutamento nacional por não terem tido candidatos ou terem sido recusados pelos docentes colocados. De acordo com as contas do dirigente da Fenprof, Vítor Godinho, desde 1 de setembro já foram enviados 1389 horários para as escolas preencherem, a maioria anuais (1189) e superiores a oito horas letivas (780). Os horários são retirados da plataforma três dias após serem lançados, podendo ser recolocados caso não sejam preenchidos. Na sexta-feira estavam por preencher 400 horários em oferta de escola e 600 na reserva de recrutamento.
Grupos com mais vagas
Os grupos com mais horários em contratação de escola são os de Informática (186, até dia 9), Pré-Escolar (104), Geografia (97), Educação Moral (94), Física e Química (86) ou História (57). Por regiões, são as mais carentes de professores: Lisboa (497), Setúbal (238) e Faro (112). Mas no Porto já foram enviados para as escolas 103 horários. O ministro João Costa já revelou que entre 1 e 9 de setembro 2000 professores entregaram baixas médicas. O presidente da associação nacional de diretores (ANDAEP), Filinto Lima, teme que esse número possa aumentar "bem mais" com o início das aulas. "O ministro está a fazer o que pode mas sem a colaboração das Finanças para apoiar a valorização da carreira, o problema da falta de professores vai agravar-se cada vez mais", afirma Filinto Lima.
Greve em cima da mesa se OE não valorizar carreira e salários
O ministro garante que 97% dos horários foram preenchidos, mas as federações mantêm a pressão: a Fenprof vai criar o "contador de alunos sem aulas" no arranque das aulas, para monitorizar a falta de professores; a FNE vai fazer uma consulta aos docentes sobre as condições de trabalho e tarefas burocráticas. As baterias, no entanto, estão viradas para o Orçamento do Estado (OE). "Se o Orçamento para 2023 não previr verbas para resolver os problemas da carreira, a greve fica em cima da mesa", garante Mário Nogueira. Preocupado com a inflação, João Dias da Silva reivindica aumentos salariais. No final do mês, arrancam as negociações sobre a revisão do regime de concursos. O regime de profissionalização em serviço e o regresso dos estágios remunerados também estão na agenda.