Há unidades a recorrer a contentores frigoríficos. Óbitos por covid nestes 15 dias já são 20% do total desde março.
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O aumento excecional da mortalidade, também pela pandemia de covid-19, e a preferência crescente pela cremação estão a esgotar a capacidade das morgues para guardar os corpos à espera de vez nos complexos funerários. Há hospitais a recorrer a contentores frigoríficos. O agendamento das cremações, que habitualmente se resolvia em dois dias, está a demorar até uma semana.
Na Grande Lisboa, onde a situação é mais crítica, o Ministério Público tem determinado ao encaminhamento direto para o Instituto de Medicina Legal (IML) na capital de falecimentos em casa ou na rua. No IML, são recolhidos pelas agências funerárias para cremação.
"Os últimos três e os primeiros três meses do ano são os de maior número de mortos", lembra o presidente da Associação dos Agentes Funerários de Portugal, Vítor Cristão. Mas a mortalidade sazonal de inverno, mais ou menos severa, conforme o frio, a gripe e pneumonias, bate recordes.
Barreira dos 600
No dia 5, a mortalidade diária passou a barreira do meio milhar. Cinco dias depois, galgou a das seis centenas. Segundo o sistema de vigilância da mortalidade (eVM), até anteontem (15 dias), morreram 8361 pessoas, mais 2632 do que em igual período de 2019.
Vítor Cristão crê que mais de 10% se devem à covid. Se cruzarmos o número total de óbitos atribuídos neste ano à pandemia (1737), concluímos que representam 20,8% do total de mortos nestes 15 dias. A gravidade da pandemia nesta altura é dramática: só nestes 15 dias registaram-se 1737 óbitos, 19,9% do total de 8709 vítimas desde 17 de março.
A saturação das câmaras frigoríficas das morgues é uma ameaça, mas nem todas as instituições se queixam. No Porto, os centros hospitalares de Santo António e de S. João dizem que não há sobrecarga. "Teria de haver uma mortalidade bastante extraordinária para esgotar a capacidade", garante o primeiro ao JN. O "S. João" não tem "qualquer limitação ou constrangimento". Na região de Lisboa, "a capacidade de frio dos hospitais está esgotada e alguns estão a climatizar salas" para guardar cadáveres, aponta o presidente da Associação Nacional das Empresas Lutuosas, Carlos Almeida.
O Centro Hospitalar Lisboa Central reconhece "alguma sobrecarga", mas garante que, "em caso de necessidade, serão ativados equipamentos de frio adicionais". Embora as casas mortuárias ainda tenham capacidade de resposta, o Centro Hospitalar de Lisboa Norte vai instalar dois contentores refrigerados no Hospital de Santa Maria, "para prevenir". Em Cascais, um equipamento idêntico da Câmara já está a ser usado no hospital local. Em Setúbal, o Hospital Garcia de Orta ocupava até anteontem 85% da sua capacidade e o do Barreiro já adquiriu um contentor frigorífico.
São recorrentes os apelos às famílias e aos agentes funerários para levantarem os corpos com brevidade. Não falta vontade; falta é vez nos crematórios, onde as listas de espera, que noutros invernos se resolviam em dois dias, começam a consumir três ou até uma semana.
Ao excesso de mortalidade, acresce a mudança de mentalidades e de preferências. "Em Lisboa, cerca de 55% dos cadáveres já são cremados", nota Carlos Almeida.
Trasladação conta para reembolso de custos de funeral
Apesar de transferir doentes entre hospitais da sua rede, por vezes muito distantes, o Serviço Nacional de Saúde não pode legalmente assumir a responsabilidade de ressarcir despesas de transporte de regresso à origem em caso de falecimento, esclarece o Ministério da Saúde. Trata- -se de uma situação idêntica à de doentes colocados pela Segurança Social em unidades de cuidados continuados, onde venham a falecer. O Instituto da Segurança Social esclarece que o custo de transporte é elegível para o reembolso das despesas de funeral, até ao limite de 1316,43 euros.