"Maior invisibilidade" do interior explica que litoral domine denúncias à comissão
Lisboa, com 84 vítimas, Braga, com 54, e Porto, com 42, foram as dioceses onde maior número de abusados reportou casos à Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Crianças na Igreja Católica. Os lugares onde houve menos queixas foram o Algarve, com três, Beja, Portalegre e Castelo Branco, com cinco, e Viana do Castelo e Vila Real, com sete. Manuel Sarmento, sociólogo, diz ao JN que a menor presença de testemunhos do interior está relacionada "com maior invisibilidade e com as vítimas estarem, ainda hoje, numa situação de maior vulnerabilidade social".
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Os resultados do relatório final da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Crianças na Igreja Católica mostram que a maioria das 512 denúncias aconteceu no litoral do país. No que respeita à escolaridade, a maioria das vítimas completou a licenciatura (32,4%), 12,9% terminaram mestrado e 3,1% concluiu um doutoramento. Fenómenos para os quais Manuel Sarmento, professor aposentado da Universidade do Minho, aponta uma explicação.
"A menor presença de testemunhos do interior tem a ver com a maior invisibilidade e com algumas das vítimas estarem ainda hoje numa situação de maior vulnerabilidade social que as afasta dos mecanismos de denúncia. Não se sentem salvaguardados para denunciar", diz. O sociólogo acredita que "maior invisibilidade, menos acesso aos meios de comunicação e cultura crítica dos comportamentos de dominação paternalista dos adultos ou das crianças menos visíveis, nas regiões periféricas, provocaram um aumento de situações de abuso".
"Despovoamento"
Manuel Sarmento refere ainda que "as aldeias têm também a questão do despovoamento significativo". "Há muita população, jovens que frequentavam os seminários nos anos 60 e 70, que, eventualmente, estarão agora emigrados. Temos menos capacidade de encontrar testemunhos aí", considera. Recorde-se que 11, 5% das denúncias vieram de fora do país.
O especialista nega que as instituições religiosas tenham mais influência no interior. "Tem mais a ver com o facto de serem grandes agregações de crianças e jovens, em que lhes é retirada praticamente a identidade, e onde é possível o estabelecimento de relações hierárquicas rígidas e pouco suscetíveis de serem colocadas em causa".