Há hospitais com recordes de nascimentos em março. Mães querem segurança e presença do pai.
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O número de partos nos hospitais privados disparou em tempo de pandemia. Só em março, a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada dá conta de, pelo menos, 1100 nascimentos, mais 18% do que no mesmo mês de 2019. A CUF e o Hospital da Luz Lisboa são exemplos do fenómeno.
"Tivemos grávidas que preferiram a nossa maternidade em vez de outras, públicas ou privadas, por mantermos a possibilidade de terem acompanhante durante o parto. Adotámos normas especiais que permitem aos acompanhantes estarem com as mães até à alta", justifica Paula Arteaga, coordenadora do Bloco de Partos e Obstetrícia do Hospital da Luz Lisboa. Aqui nasceram 255 bebés só em março, um número recorde desde que o hospital abriu.
Devido à pandemia, muitas maternidades públicas proibiram a presença de acompanhante no parto, para diminuir riscos de contágio. Na hora de decidir, também pesa o receio de fazer o parto num hospital público durante o combate à covid-19. Nas duas maternidades da CUF, em Lisboa e Porto, houve 364 partos em março. Mais 32% que no mesmo período de 2019. No total do primeiro trimestre, a CUF registou 979 nascimentos, mais 15% do que no ano passado. A tendência manteve-se em abril, com 308 partos.
Para o obstetra Luís Graça, só há uma lógica para o aumento. "Alguns hospitais públicos fecharam a maternidade e as pessoas tiveram que ter os bebés no privado". O antigo diretor de obstetrícia do Hospital de Santa Maria compreende o receio. "Mas o risco de uma grávida ser infetada, tanto é num hospital público como num privado".
Há também quem fale num "baby boom de quarentena". O hospital da Luz adianta que está a receber muitas mulheres em início de gravidez, com partos previstos para novembro. Luís Graça não está tão crente: "Como as pessoas estão confinadas em casa fazem mais bebés? Não acredito que haja ligação. Oxalá que sim, Portugal precisa de bebés".
Menos bebés no 1.º trimestre
No primeiro trimestre de 2020 nasceram 17 545 bebés em todo o país, menos do que no mesmo período de 2019 (18 225) e de 2018 (17 847).
Pai sem acesso
O hospital da Feira proibiu o acesso aos acompanhantes no parto. Alguns privados, como o Lusíadas, fizeram o mesmo. Na Maternidade Alfredo da Costa, no São João ou no Santa Maria, o pai pode assistir.
Soube da gravidez em fevereiro e decidiu ser seguida no privado
Tatiana Mendes tinha casamento marcado para outubro. Mas a vida trocou-lhe as voltas. "Descobri que estava grávida, foi uma surpresa", conta. O bebé vai nascer no mês que a mãe, de 30 anos, tinha escolhido para trocar alianças. Ainda falta, mas Tatiana já está a ponderar fazer o parto num hospital privado. "Para o meu noivo me poder acompanhar, preciso de alguém ao meu lado".
Quando o teste de gravidez deu positivo, em fevereiro, ainda a pandemia estava longe de ser uma realidade em Portugal. E Tatiana não imaginava uma jornada tão diferente do que tinha sonhado para um primeiro filho. "Tive a primeira consulta no centro de saúde, quando descobri, e depois passou a ser tudo por telefone. Não é a mesma coisa", conta. Tentou marcar a primeira ecografia pelo público mas teria de esperar um mês. Não aguentou a ansiedade e recorreu ao hospital Trofa Saúde. "Preferi pagar".
Está com 13 semanas. Ainda não sabe se é menino ou menina, embora tenha a esperança secreta de que seja menina. Toda a gente lhe diz que a barriga denuncia um menino, Tatiana não se importa. O médico de família vai ligando e, entretanto, já foi chamada duas vezes ao hospital da Feira, onde vive. "Tive muito receio, confesso. Até consultei a linha de apoio à grávida da Câmara. Mas depois de lá ter ido, senti-me segura, há muita proteção". Já fez o rastreio do primeiro trimestre e, na semana passada, fez a ecografia das 12 semanas. O choque foi aí: "O pai não pôde entrar. Ainda só viu o bebé em fotografias".
A tristeza levou-a a procurar opções no privado. "Agora só terei novamente uma ecografia no segundo trimestre. Acho que é muito tempo. Neste intervalo vou recorrer ao privado. Quero tirar dúvidas, ter um acompanhamento mais próximo. E quero que o pai veja o bebé. Ele também se sente triste". A frequência das consultas e a presença de Óscar Sá, o noivo, no processo estão a empurrá-la para o privado, até no momento do parto.
Compreende as restrições atuais, mas não equaciona sequer ter o bebé sem estar de mãos dadas com Óscar. "O pai pode acompanhar a mãe em alguns privados. Sei que o bebé só nasce entre outubro e novembro e, nessa altura, provavelmente, já tudo estará mais calmo, mas estou já antecipar". Sempre teve muitas dúvidas sobre o parto, a pandemia talvez esteja a ajudar à decisão.
"Quero muito que o pai esteja presente. Acho que o pai assistir ao parto é muito importante, para eles e para nós", desabafa Tatiana, que conta o desespero de uma amiga por ter tido bebé recentemente sem a presença do marido. "Por isso estou a ponderar ter o bebé no privado. Se a obstetra tiver essa disponibilidade, é isso que vou fazer".