Mortes nas estradas têm vindo a diminuir, com 2021 a registar o melhor semestre. Estratégia para a Mobilidade Pedonal adiada para 2022.
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Na última década, 55097 peões foram vítimas de acidentes nas estradas portuguesas, entre vítimas mortais, feridos graves e leves. Os dados da sinistralidade a 24 horas da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) mostram, ainda assim, que o primeiro semestre deste ano é o melhor em dez anos relativamente ao número de mortes. Desde janeiro e até junho morreram 24 peões, menos de metade das vítimas mortais de 2011 (51), em igual período. O Governo está a preparar uma Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Pedonal (ENMAP), que deverá ficar pronta até 2022. O objetivo passa por pôr os "portugueses a andar mais a pé", em articulação com o uso de transportes públicos, avança o secretário de Estado da Mobilidade, Eduardo Pinheiro.
As medidas ainda não estão definidas, como um possível alargamento de passeios ou a criação de mais ruas exclusivamente pedonais. O Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) está atualmente a recolher, no seu site, contributos numa "consulta informal" para a ENMAP. Até à próxima quarta-feira, celebra-se a Semana Europeia da Mobilidade.
Indicadores qualitativos
A redução dos movimentos pedonais ao "número de mortos e feridos" é um panorama pobre para Mário Alves, que defende a existência de indicadores qualitativos como o medo, o conforto ou o prazer de andar a pé. Apesar de concordar com a meta da "Visão Zero", levada a cabo pela ANSR através do Ministério da Administração Interna, baseada na premissa de "zero mortes" nas estradas, o membro da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados (ACA-M) diz que Portugal tem muito a fazer. A velocidade máxima de 30 km/hora dentro das localidades "é uma espécie de vacina que se sabe que funciona e já acontece em vários países da Europa", diz.
A pandemia, no que toca à sinistralidade envolvendo peões, mostra uma aparente acalmia nas estradas. Em 2020, houve menos 13 vítimas mortais, menos 172 feridos graves e menos 1827 feridos leves. Os períodos de confinamento podem ter contribuído para a melhoria dos números, mesmo com a caminhada (32,3%) a ser a atividade física mais praticada entre abril e maio do ano passado, de acordo com um inquérito da Direção-Geral da Saúde.
Os dados até junho de 2021 acompanham a tendência da menor sinistralidade, com uma exceção. Face ao mesmo período de 2020, registaram-se mais 19 peões a necessitar de cuidados urgentes (feridos graves).
Andar em ziguezague
Há um exemplo que José Alberto Rio Fernandes não se cansa de usar para descrever a falta de preparação das cidades para acolher peões. "Atravessar a pé a Avenida dos Aliados [Porto], indo desde a Praça de D. João I para a Praça de D. Filipa de Lencastre, significa andar em ziguezague. Há várias passadeiras", afirma o geógrafo. Para o também professor universitário, não existe "uma ideia estrutural do andar a pé", com o automóvel a permanecer como prioritário face ao peão.
As autarquias são uma das entidades mais importantes na futura Estratégia para Mobilidade Pedonal. Quem o diz é o secretário de Estado da Mobilidade que atira a intervenção no espaço público para o poder local, apesar de reconhecer a dependência da "regulamentação nacional". "Cada vez mais há uma competição entre os diversos modos e é preciso garantir condições de segurança e comodidade para os peões", refere Eduardo Pinheiro.
Mário Alves, que faz também parte da Federação Internacional de Peões, saúda a iniciativa do Governo, mas lamenta que ainda não haja "uma mera proposta de princípios gerais para comentar". "A participação pública tem de ser regular, transparente e estruturada, desde as fases iniciais da Estratégia", conclui.
Há ruas que ainda não são adequadas para a mobilidade pedonal"
Eduardo Pinheiro, secretário de Estado da Mobilidade
Que tipo de medidas vai englobar a Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Pedonal?
A Estratégia ainda não está desenhada e não nos vamos antecipar à mesma. O objetivo muito claro é pôr os portugueses a andar a pé e com orgulho. Não porque não têm alternativa, mas por ser a melhor opção, quando possível. Sabemos que há uma predominância do automóvel e queremos fazer um trabalho junto das escolas, com os mais novos, para que percebam que andar a pé é a forma mais natural e democrática. É importante fazer esta aposta [na Estratégia], até como complemento do transporte público.
O alargamento de passeios ou as ruas exclusivamente pedonais podem estar entre as intervenções no espaço público?
São um conjunto de intervenções, não há uma solução única. É preciso identificar as barreiras, não só a nível de infraestruturas, mas todas as que levam a que haja menos utilização do modo pedonal. Haverá intervenções no espaço público. Todos conhecemos ruas, nas várias cidades e vilas, que não são ainda adequadas e não promovem uma utilização cómoda e segura. Basta pensar nos percursos para as escolas.
Como é que a Estratégia vai ser financiada?
No âmbito dos diversos financiamentos - e em particular do Quadro Plurianual [orçamento de longo prazo da União Europeia] -, haverá o apoio para o desenvolvimento da mobilidade ativa. Há dois modos que se destacam: a mobilidade ciclável e a pedonal.
Quais os próximos passos e como se explica o atraso na Estratégia, já que o despacho previa a aprovação da proposta até ao final de 2020 em Conselho de Ministros?
Há uma consulta informal [do IMT] e existe um grupo de trabalho, que inclui as várias áreas governativas e outras instituições. O objetivo é ter a Estratégia pronta até ao final do ano, mediante as diversas consultas que vão acontecer. No limite, vamos apresentar a proposta no início de 2022, para que a possamos aprovar rapidamente em Conselho de Ministros. Face à complexidade do tema, houve a necessidade de recorrer a consultores externos e especializados, que foi algo assumido pelo grupo de trabalho. A necessidade de contratar consultores obriga a processos de contratação pública, que demoram mais do que desejaríamos.