O presidente da República afastou, esta quarta-feira, dúvidas de constitucionalidade sobre o decreto do parlamento para despenalizar a morte medicamente assistida, declarando que o vetou por "um problema de precisão" e que se for confirmado "não tem drama".
Corpo do artigo
Marcelo Rebelo de Sousa, que falava aos jornalistas nos jardins do Palácio de Belém, em Lisboa, acrescentou que, se a Assembleia da República optar por alterar o decreto para acolher as suas "solicitações muito pontuais", não vê razões para não o promulgar.
"Se a Assembleia votar manter a mesma versão, eu sou obrigado a promulgar. Se ela for ao encontro daquilo que eu proponho, não vejo razão para não promulgar -- pois se eu propus aquilo, é porque entendo que deve ser acolhido. Num caso sou obrigado, noutro caso faço-o porque a Assembleia acolheu a minha proposta", afirmou.
Segundo o chefe de Estado, as questões que levantou "são pontos que não têm a ver com um problema de inconstitucionalidade, é um problema de precisão".
Interrogado sobre a possibilidade de o parlamento confirmar o decreto tal como está -- opção hoje defendida expressamente por Bloco de Esquerda e Iniciativa Liberal e de modo mais indireto pelo PS -- Marcelo Rebelo de Sousa observou: "Não tem drama, é a vida".
De acordo com a Constituição, perante um veto, a Assembleia da República pode confirmar o voto por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções, 116 em 230, e nesse caso o Presidente da República terá de promulgar o diploma no prazo de oito dias a contar da sua receção.
O Presidente da República enviou para o Tribunal Constitucional o primeiro decreto sobre esta matéria, em fevereiro de 2021, vetou o segundo, em novembro do mesmo ano, e enviou o terceiro também para fiscalização preventiva, em janeiro deste ano. Os dois envios para o Tribunal Constitucional levaram a vetos por inconstitucionalidade.
Agora, perante a quarta versão, optou uma vez mais pelo veto político, prescindindo de exercer o direito de fiscalização preventiva, e pediu ao parlamento para "clarificar quem define a incapacidade física do doente para autoadministrar os fármacos letais, bem como quem deve assegurar a supervisão médica durante o ato de morte medicamente assistida".
Na carta hoje dirigida à Assembleia da República, Marcelo Rebelo de Sousa argumenta que "numa matéria desta sensibilidade e face ao brevíssimo debate parlamentar sobre as duas últimas alterações, afigura-se prudente que toda a dilucidação conceptual seja acautelada, até pelo passo dado e o seu caráter largamente original no direito comparado".
Aos jornalistas, o chefe de Estado ressalvou que "é uma opção da Assembleia" acolher ou não o seu pedido de alterações ao decreto e que as clarificações que pede no decreto também poderão ser feitas na regulamentação da lei.
O chefe de Estado rejeitou que esteja a contribuir para a insegurança jurídica da futura lei sobre a morte medicamente assistida ao prescindir de enviar este decreto do parlamento para o Tribunal Constitucional.
"Porque o Tribunal Constitucional já na última vez só se tinha pronunciado sobre um ponto muito específico, que era o sofrimento. E, na medida em que a Assembleia voltou a uma versão que não tinha merecido reparos do tribunal -- só a última é que tinha merecido reparos --, eu parti do princípio de que o tribunal não ia mudar de posição", justificou.
Questionado sobre as desistências de candidatos ao cargo de procurador europeu, o chefe de Estado apenas disse esperar "que não se demore muito mais tempo num processo em que é importante que Portugal tenha um procurador europeu".
Marcelo Rebelo de Sousa não se quis intrometer na questão de um eventual referendo sobre a morte medicamente assistida, que remeteu para o parlamento.
Com a mesma justificação, recusou comentar assuntos relacionados com a Comissão Parlamentar de Inquérito à Tutela Política da Gestão da TAP.