Risco de Orçamento do Estado (OE) chumbar é cada vez maior. Politólogo Miguel Ângelo Rodrigues vê "pouca vontade" em Pedro Nuno para compromissos e alerta para os custos políticos.
Corpo do artigo
Quando o risco de eleições antecipadas é cada vez maior, o presidente da República exortou, este sábado, Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos a “se entenderem” num acordo para o Orçamento do Estado (OE), caso contrário será o Chega “a mandar”.
Marcelo Rebelo de Sousa começou por dirigir apelos ao primeiro-ministro. “Deve perceber que o interesse nacional é mais importante do que o programa de Governo, e não ser inflexível”, declarou à RTP. “Sobretudo, um Governo que é minoritário, não é maioritário”. Portanto, “tem que se ajustar”.
Também o PS “deve fazer um esforço para perceber que tem de se ajustar, até porque não é Governo”. “Se o primeiro e o segundo partidos não se entenderem, passam a depender da decisão do terceiro” e o Chega será a “chave” deste processo. E se o Chega optar por “não decidir, sobra para o presidente”, que terá de marcar eleições, avisou.
Pedindo “cedências” ao PS e ao Governo, insistiu que “se não se entenderem passa a mandar o terceiro”. Por outras palavras, “se não desempatam, ele [o Chega] é que desempata por eles”.
André Ventura garantiu na sexta-feira, na SIC Notícias, que “vai votar contra este OE”. Insistiu num acordo de legislatura e pediu um novo orçamento.
“Propostas sabem a programa”
Governo e PS parecem mais preocupados em passar responsabilidades por uma eventual crise política. Pedro Nuno teme ser penalizado nas urnas. Mais do que apresentar um OE alternativo ao primeiro-ministro, estará já a mostrar as bases de um programa eleitoral, ao incluir habitação, saúde, salários e pensões no debate sobre IRS e IRC.
“As propostas alternativas do PS sabem já a programa eleitoral”, disse ao JN o politólogo Miguel Ângelo Rodrigues. O vice-presidente da Escola de Economia, Gestão e Ciência Política da Universidade do Minho destacou que Pedro Nuno, “por um lado, aposta nos pensionistas, uma larga base eleitoral favorável do PS. Por outro lado, destaca o problema da habitação”.
As propostas que o PS apresentou em São Bento levaram Montenegro a acusá-lo de ser radical, mas podem servir para justificar o chumbo do OE. A bola está no Governo, que faz uma “contraproposta” na próxima semana.
“Pedro Nuno Santos decidiu endurecer a sua posição negocial. E, em boa verdade, nem se pode definir a posição do PS como de negociação. Simplesmente, quis impor ao Governo duas restrições irrevogáveis em matéria fiscal: o IRC e o IRS jovem”, nota Miguel Ângelo Rodrigues. Além disso, “uma posição de força deste tipo parece indiciar pouca vontade para compromissos e fechar a porta à possibilidade de o PS deixar passar o OE”.
Mas qual a razão para se expor ao risco de eleições antecipadas? “À primeira vista, há muita coisa em risco”, como “o PS ser acusado de ser o responsável por uma crise política; Pedro Nuno Santos perder duas eleições consecutivas; pôr em risco as medidas, já aprovadas, que podiam ser capitalizadas em favor do PS; e atrapalhar todo o calendário eleitoral das autárquicas”.
O politólogo crê que o risco “só faz sentido se o próprio tiver identificado, no seio do PS, que começam a existir movimentações contra ele, ou que o PS está a dar-se mal no papel de Oposição. Tudo o demais parece ser uma estratégia com riscos mal calculados”. Do outro lado, Montenegro aposta em mostrar “que está vinculado ao seu programa” e “poderá querer explorar o ónus da crise política para renovar a sua legitimidade”.
Para Miguel Ângelo Rodrigues, “as posições do Chega são difíceis de levar a sério porque mudam com muita frequência, ou as bases negociais têm pressupostos demasiado vagos”. Ventura “pede novo orçamento, quando ainda não existe documento algum. Não obstante, a falta de flexibilidade de AD e PS podem, paradoxalmente, fazer do Chega o adulto da sala”, avisa ainda.
“Portanto, o Chega dirá um pouco de tudo e no fim haverá pouca consistência”, prevê, notando que, com as sondagens a indicar perda de expressão do partido, Ventura “fará o necessário para assegurar a dimensão do grupo parlamentar”. E “pouco importa a coerência das posições políticas quando a sobrevivência está em causa”.