Presidente recebeu 62 entidades durante o estado de emergência, entre empresas, bancos, sindicatos e patrões. Politólogos realçam que "ativismo" do chefe de Estado não compromete "cooperação" com Costa.
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O trabalho do presidente da República sofreu, tal como o dos portugueses, mudanças forçadas durante o estado de emergência, mas isso não fez Marcelo Rebelo de Sousa perder o contacto com o país. Nas seis semanas em que vigorou o período de exceção - de 19 de março a 2 de maio -, o chefe de Estado recebeu 62 empresas e organizações, o que perfaz 1,4 por dia. A pandemia pode ter mudado o Mundo, mas Marcelo manteve-se tão ativo como sempre. E até aumentou o ritmo das audiências - fenómeno que, segundo os politólogos ouvidos pelo JN, nada tem a ver com pré-campanha para as presidenciais de janeiro.
Marcelo não precisa de mudar o seu comportamento "para acentuar o reconhecimento geral de que dificilmente perderá as eleições", considera José Fontes. O catedrático da Academia Militar acredita que o presidente tem "uma preocupação séria" com a situação atual do país e que foi isso que o fez ser "exaustivo" ao definir a sua agenda durante o estado de emergência. Nesse período, Marcelo recebeu, entre outras entidades, 12 empresas do PSI-20, oito empresas de Comunicação Social, oito associações culturais, os cinco maiores bancos, cinco confederações patronais e as duas centrais sindicais.
Para António Costa Pinto, o presidente "não está a fazer mais do que tem feito" desde o início do mandato. Segundo o politólogo, Marcelo sempre demonstrou um "ativismo globalizador", de "grande proximidade à sociedade civil" e "com uma agenda variável".
"Cooperação" com Costa
Costa Pinto diz mesmo que Marcelo denota um "ativismo de posições públicas perante ações governamentais" que os seus antecessores "mantinham na reserva" das reuniões com o primeiro-ministro. No entanto, rejeita que o objetivo seja condicionar António Costa: os chefes de Estado e do Governo "têm cooperado", mas os papéis "não se confundem" porque ambos são "atores racionais".
José Fontes tem a mesma opinião. Considera ser "extremamente difícil" condicionar António Costa, homem "inteligente" e "um grande estratega". Por outro lado, diz que Marcelo, enquanto professor de Direito e antigo deputado constituinte, "conhece bem os limites da sua atuação", apesar do perfil interventivo.
Costa, recorde-se, "lançou" a recandidatura de Marcelo à presidência durante a visita de ambos à Autoeuropa, em maio. José Fontes realça que, embora os dois tenham uma "excelente relação", têm sabido coabitar. Para Costa Pinto, "independentemente dos níveis de colaboração do Governo PS", o presidente "não hipoteca a sua autonomia política".
O "oposto" de Cavaco
A agenda de Marcelo durante o estado de emergência foi bem diferente do que havia sido no período homólogo de 2019. Há um ano, o presidente teve muito menos audiências durante essas semanas - apenas quatro -, mas fez mais deslocações: 15 no total, incluindo idas ao Porto, a Braga e uma viagem de seis dias à China.
No período de exceção, só saiu de Belém para visitar uma sementeira, distribuir refeições a sem-abrigo e participar na cerimónia do 25 de Abril no Parlamento, mas não poupou nas audiências. As suas "múltiplas intervenções", diz José Fontes, conferem-lhe um perfil "oposto" ao do antecessor Cavaco Silva: "ele próprio já reconheceu que, para a idade dele, trabalha mais do que devia".