O presidente da República reafirma que João Galamba deveria ter sido afastado pelo primeiro-ministro porque a sua manutenção no cargo agrava a falta de "confiabilidade" no poder político. Vê responsabilidades do ministro, assume uma ruptura com António Costa, mas decide não demitir o Governo.
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Num discurso marcado por fortes críticas à postura do Governo, em que admitiu uma "divergência de fundo" com o primeiro-ministro, com quem lamenta que não tenha sido possível "acertar agulhas", Marcelo Rebelo de Sousa colocou a tónica na importância de um poder político credível, respeitável, responsável e confiável, prometendo que vai estar "ainda mais atento" ao exercício do poder. Mas, a bem da "estabilidade" do país, mantém o Executivo em funções.
O chefe de Estado começou o discurso desta noite no Palácio de Belém a anunciar "duas palavras, uma sobre o passado e outra sobre o futuro". Sobre a primeira, destacou que os "grandes números muito positivos da nossa economia" ainda não chegaram à maioria dos portugueses, "que esperam e precisam de mais e melhor" de um poder político que resolva os seus problemas.
"Isso exige capacidade, confiabilidade, credibilidade, respeitabilidade e autoridade. E para existir autoridade, para ser confiável, ser credível, ser respeitável, tem de se ser responsável. Onde não há responsabilidade, na política como na administração, não há autoridade, respeito, confiança, credibilidade", apontou Marcelo, defendendo que um governante tem de ser responsável por aquilo que faz ou não faz e também "por aquilo que fazem ou não fazem aqueles que escolhem e nos quais é suposto mandar".
Responsabilidade é mais do que pedir desculpa, virar a página e esquecer. É pagar por aquilo que se faz ou deixou de fazer
"Como pode um ministro não ser responsável por um colaborador que escolhera manter na sua equipa mais próxima, no seu gabinete, a acompanhar, ainda que para efeitos de informação, um dossiê tão sensível como o da TAP, onde os portugueses já meteram milhões de euros? E merecer tanta confiança que podia assistir a reuniões privadas, preparando outras reuniões, essas públicas, na Assembleia da República? Como pode um ministro não ser responsável por situações rocambolescas, muito bizarras, inadmissíveis ou deploráveis - as palavras não são minhas - suscitadas por esse colaborador, levando a apelar aos serviços mais sensíveis da segurança nacional?", questionou Marcelo, numa alusão a João Galamba e ao episódio que levou à exoneração do adjunto Frederico Pinheiro.
"Responsabilidade política e administrativa é essencial" e "não se resolve apenas pedindo desculpa", disse, no que pode ser lido como uma alusão ao pedido de desculpa feito pelo primeiro-ministro aos portugueses, quando anunciou que não iria aceitar o pedido de demissão do ministro das Infraestruturas.
"Responsabilidade é mais do que pedir desculpa, virar a página e esquecer. É pagar por aquilo que se faz ou deixou de fazer", atirou o presidente, considerando "que não se afasta por consciência pessoal" - palavra várias vezes invocada pelo primeiro-ministro na hora de manter Galamba em funções - e que seria preciso olhar para "os custos objetivos do que aconteceu na confiabilidade e autoridade" do Executivo.
"Não se mistura política com justiça. Não se apaga dizendo que já passou. Não passou, nunca passará. Reaparece todos os dias, todos os meses, todos os anos", defendeu, insistindo que a ideia que fica para os portugueses é a de que "ninguém se responsabiliza por nada, ninguém manda em nada".
"Foi por tudo isto que entendi que o ministro das Infraestruturas deveria ter sido exonerado. E que ocorreu uma divergência de fundo com o primeiro-ministro, não sobre a pessoa, as suas qualidades pessoais, até o seu desempenho, mas sobre uma realidade a meu ver muitíssimo mais importante: respeitabilidade, confiabilidade, autoridade do ministro, do Governo e do Estado", assinalou, reiterando que, desta vez, não foi possível "acertar agulhas". "Foi pena", disse.
Governo continua pela "garantia da estabilidade"
Sobre o futuro e conclusões imediatas ou a prazo, Marcelo apontou que "tudo visto e ponderado", continua a "preferir a garantia da estabilidade institucional", descartando o cenário de eleições antecipadas, que seria "acrescentar problemas aos problemas que os portugueses já têm".
"Os portugueses dispensam esses sobressaltos, essas paragens, esses compassos de espera num tempo como este, em que querem ver os governantes a resolver os problemas do dia a dia: os preços dos bens alimentares, o funcionamento das escolas, a rapidez na Justiça, o preço da aquisição da Habitação", justificou, elegendo como prioridade do mandato a manutenção da estabilidade política, que julga ter conseguido, mesmo pertencendo a um hemisfério político diferente do do Governo.
"Comigo não contem para criar conflitos institucionais ou deixar crescer tentativas isoladas ou concertadas para enfraquecer a função presidencial, envolvendo-a em alegados conflitos institucionais", disse, lembrando "como foram e acabaram esses conflitos no passado".
Terei de estar ainda mais atento
Numa segunda conclusão, Marcelo aponta que o que aconteceu terá efeitos no futuro, prometendo mais atenção e intervenção ao exercício do Governo. "Terei de estar ainda mais atento à questão da responsabilidade política e administrativa dos que mandam, porque até agora eu julgava que, sobre essa matéria, havia acordo essencial. Viu-se que não, que há uma diferença de fundo", notou, assegurando que, para evitar eventuais recursos presidenciais, será "mais interveniente no dia a dia", sinalizando mais intensamente o que possa deteriorar a confiança dos portugueses no Estado.
A posição de Marcelo Rebelo de Sousa, que esta quinta-feira esteve reunido com António Costa, acontece dois dias depois de o primeiro-ministro ter rejeitado demitir o ministro das Infraestruturas por uma questão de "consciência", defendendo que João Galamba não falhou em nenhuma das etapas do caso que envolveu o ex-adjunto do ministro e que, por outro lado, disponibilizou toda a informação à comissão parlamentar de inquérito (CPI) da TAP. Na altura, Costa frisou que a eventual dissolução do Parlamento ia depender da avaliação do presidente da República, deixando o futuro político do país nas mãos de Marcelo.
Costa não aceitou demissão: "Dou primazia à minha consciência"
Falando ao país na terça-feira, António Costa frisou que seria "muito mais fácil" seguir a "opinião unânime dos comentadores" e aceitar o pedido de demissão de João Galamba. "Mas, entre a facilidade e a minha consciência - lamento desiludir aqueles que vou desiludir -, dou primazia à minha consciência", considerou, explicando ter "o entendimento de que o ministro das Infraestruturas não procurou, de forma alguma, ocultar qualquer informação à comissão parlamentar de inquérito da TAP". "Pelo contrário, o facto que determinou a sua decisão de demitir um colaborador [o ex-adjunto Frederico Pinheiro] foi a suspeita de que esse colaborador estava a ocultar informação que era solicitada pela CPI", referiu.
"Não só não tenho nenhum indício de que procurou ocultar informação como todos sabemos que, na realidade, foi ele quem disponibilizou essa informação à CPI", afirmou Costa, assegurando ter analisado bem todos os ângulos do caso e em nenhuma das etapas (demissão do ex-adjunto, agressão e roubo de computador) ter identificado "responsabilidade do ministro".
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